12/27/2012

Hoje, a pirataria prejudica os autores?

Sofia, chateia-me não ganhar dinheiro que podia/merecia ganhar. Portanto, sim, a pirataria prejudica. Mas chateia-me ainda mais não ser creditado pelo meu trabalho. Se o for, dói menos. Penso que a pirataria de larga escala, prejudicial, acontece aos filmes americanos e, na América latina, aos Garcia Marquez e aos Luís Sepúlvedas deste mundo. No meu caso, sinto-me mais espoliado quando o editor não reparou sequer que ainda está a gerir os direitos de um livro meu. Repito: sinto-me mais roubado quando um editor não se dá conta de que ainda está sob contrato - e continua a haver a ideia de que o contrato é unilateral. Por isso sou contra manter contratos de cinco anos - já não fazem sentido, num tempo em que a esmagadora maioria dos livros dura menos que uma revista num quiosque. Em muitos lados, o autor ainda é visto como um turista amador (e, já agora, com fazenda de família) que fica deslumbrado por ter o nome na capa.

Há também o caso de editores que se comportam como piratas: mais de dez anos depois de ter acabado o contrato, a editora X (não vou por pudor nomear aqui) continuou a vender os meus livros, a actualizar preços, ao mesmo tempo que se mantinha amuada comigo por eu ter ido para outras paragens mais respiráveis. Não os levei a tribunal porque não tenho advogado 24hs/24 ao meu serviço.

Actualmente só faço livros e ponho posts no FB. Ao dar palestras e trabalho de borla para câmaras municipais e câmaras de tv e empresas privadas, prefiro estes últimos, e gosto que sejam «syndicated» - já gostarei menos se, como já aconteceu na Alemanha, alguém pegue nas minhas ideias e palavras aqui para pôr num livro, presumindo erradamente que escrever aqui ou num blog é terreno baldio que pode ser «privatizado» por espertos.

Há uns cinco anos publiquei uma crónica sobre «Mulheres» num jornal. Recebi 50 euros. Depois a crónica foi reproduzida por alguém num blogue (até com erros de português) e tornou-se, à nossa escala, viral. Este ano inseri-a na nova edição do meu Luto pela felicidade dos portugueses (ed. Planeta). Acho que beneficiei: ganhei leitores e potenciais compradores. É um caso em que o «ups, servi-me» resultou. Não sei se podemos chamar pirataria a isto. Ou então podemos apartar pirataria para consumo individual e pirataria empresarial.

Por isso, em balanço: a pirataria é chata, sim, sobretudo se for predatória e em larga escala, mas num sistema doentinho, desde que credite o autor, até nem vai muito ao bolso, pelo contrário, pode manter o autor vivo nos corações dos portugueses e, mais importante ainda, das portuguesas.

Rui Zink
(texto inicialmente publicado como resposta a uma pergunta de Sofia Bucholz, no seu Facebook)

12/26/2012

Ler os Clássicos na Escola

Texto da nossa leitora Maria Almira Soares


A reconfiguração da aula no imaginário do aluno, quando nela o professor lê um texto clássico, pode aproximar-se da metáfora de um lugar inóspito aos olhos de um leitor heróico. O texto clássico, dentro da leitura decifradora do professor, pode encontrar o aluno tolhido pelos insistentes acenos dessa leitura, paralisado o seu desejo de apropriação, na previsão de que continuará sempre a prevalecer o desconhecido, o indecifrável, o repertório que não possui.

É possível, no entanto, desafetar esta ecologia do seu efeito paralisador, coercitivo.

A leitura de um texto clássico pode começar por embater na impaciência, na distração, na falta de instruções de uso, na inexperiência de uma criança ou de um jovem, mas sob certas condições – as da presença de um modelo emocionalmente contagiante, o do professor detentor de um imaginário rico de leitor — cria ressonância, memória, influência e pode atingir o patamar do desejo.

O problema que verdadeiramente sustenta a tendência de enfraquecimento da leitura dos clássicos na escola é o da seleção de uma identidade e de um papel para o professor: entre a valorização, o aprofundamento, o excesso ou o recuo e a banalização. Na educação escolar do leitor, cabe um papel crucial ao professor capaz de projetar uma força iniciadora, que o aluno, vindo de um mundo em que a leitura tende a ser inócua, só por si, não pode desencadear. O professor com uma identidade de leitor forte, não diluída por uma legitimação que faz dele um recurso equivalente e comutável com outros recursos, pode projetar a sua cultura de leitor como um modelo sedutor: passo definitivo para o aluno ousar vencer a adversidade e se assumir, pessoal e intimamente, como leitor.

A leitura está entre aquilo que o programa escolar tem para distribuir, ou seja, a leitura é uma divisão, uma secção do organograma programático. Esta situação é consonante com a tendência para tomar o professor como um funcionário da leitura, não como um leitor. Um funcionário da leitura não tem condições de se projetar como modelo perante um jovem. Em contrapartida, o professor grande leitor, marcado pelo excesso de uma profunda imersão cultural, tem o poder de transcender a monotonia para que a aprendizagem procura tender. O professor pode recuperar o seu poder simbólico, tornar-se metáfora engrandecedora do seu esvaziamento curricular e, assim, alcançar a força de um modelo, desencadeando um princípio de impregnação.

Numa era em que, nos discursos, o tema da escola é favorecido pela tecnocratização, funcionalização, esta ideia do agigantamento cultural/literário do professor corre o risco de, por ligeireza de atenção, não ser considerada uma entrada pertinente. A entrada pertinente para o tema do professor de Português tende a ser a produção de competências: a competência de conseguir servir-se de escritos da vida corrente; a competência de utilizar bases de dados ou ler/apreender tabelas ou esquemas; a competência de redigir notas breves para relatórios. Educar escolarmente o leitor é abrir uma brecha neste discurso e pensar em metamorfose iniciada pelo desencadear de uma impregnação. Porque ninguém sente desejo de se deixar impregnar por um escrito da vida corrente, por uma base de dados; ninguém sente o poder transformador de umas notas breves para um relatório. A ruptura interpeladora produzida pelo imaginário cultural do professor-grande leitor transcende o efeito de abatimento da formalidade escolar. A expectativa, escolarmente adquirida, de ler para aprender expande-se na construção em perspectiva crescente de novos acessos à leitura.

Esta identidade de professor-educador do leitor, excessiva em relação ao programático, recria o aluno como discípulo de leituras em vez de mero praticante de instruções. Ao mostrar a sua liberdade de leitor centrífugo, mas conhecedor do repertório, sabedor, culto, o professor exerce no aluno o atrito de um modelo sedutor e veicula o desejo e a ousadia de trilhar os caminhos da leitura.

A condição fundamental que pode fazer, da experiência escolar da leitura, uma ressonância, uma influência, uma memória e, deste modo, educação, é a da transcendência da função decifradora pela presença de um modelo iniciador. Se assim for, a leitura em aula, pode constituir, para o aluno, uma iniciação: um processo quase ficcional da descoberta de si no outro, em que o não-leitor, o quase-leitor, o pouco-leitor (aluno), se projeta na leitura do professor. A leitura do aprendiz vai indagando e perseguindo a leitura do mestre, reverte-a em educação da sua genuína capacidade de ler. Só neste confronto, a leitura escolar conserva a sua credibilidade de leitura genuína, em vez de uma coisa sintética ad usum delphini, e deixa de ter a efemeridade do utilitário, para passar a exigir a permanência e o peso do escrito literário, alcançando a natureza de uma verdadeira inscrição educativa.

Maria Almira Soares, Professora

12/24/2012

Especial Infantil

Ilustração original da obra «Christmas Carol», de Charles Dickens, John Leech (1843)

Termina assim, com imenso sucesso, este primeiro Especial do Edição Exclusiva.

Tivemos a participação de escritores, ilustradores, editores, livreiros e leitores, abordando os mais diferentes tópicos dentro do universo dos livros infantis.

Longe de termos esgotado o tema, o mundo dos livros infantis é e será sempre um tema presente neste blogue.

Recordamos a todos que este é um blogue coletivo que conta com um grupo de colaboradores «da casa», mas também com a participação de convidados e a publicação de textos relevantes de todos os leitores que desejarem contribuir para este think tank do livro.

Da minha parte e de parte de todos os participantes deste blogue desejo-vos um Feliz Natal.

E se ainda lhe faltar comprar alguma prenda: compre um livro.

12/23/2012

Depois do Natal

Depois do Natal, Beatrice Alemagna, Bags of Books

Aí estão eles. Muitos. Distinguem-se ao longe pelos tons de vermelhos que exalam, suportados por branco em pinceladas, pelos grandes formatos e capas brilhantes. Surgem todos juntos, o que agrava os sintomas, normalmente em pequenas mesas, baixas.

Pois é, o Natal. E as livrarias a tornarem-se sucursais do Pólo Norte, onde as renas não chegaram por se enganarem no caminho ou de onde os gnomos não saíram por excessos laborais. As cartas em montes encontram um atrapalhado senhor de barbas brancas, salvo por uma minúscula figura, um rato, por exemplo. Há sempre um menino triste algures e um milagre de última hora em forma quadrada de prenda embrulhada em laçarote chamativo. E uma moderna figura, já clássica pela recorrência, fazendo jus ao popular “por detrás de um homem há sempre uma mulher” e ao sabor dos tempos de girl power: a Srª Natal ou, mais estranho ainda, a Mãe Natal. De figura secundária, ganha terreno de ano para ano, em contraponto ao progressivo cansaço do marido.

O psicologismo das personagens na literatura infantil, forte na contemporaneidade, ataca estas latitudes espaciais e temporais. Os resultados são questionáveis ou não fosse este o momento mais para contemplação que de afirmação de egos.

A existir, tenho saudades do Pai Natal figura tranquila, voadora e viajante, insuflada mais de ar que de peso terreno e calorias, competente na sua profissão e sem dramas existenciais. Um cenário, mais que personagem. Prefiro a linearidade desse silêncio, que a repetição estridente de enredos domésticos em drama de trazer por casa que não apetecem nada nesta altura (nem em nenhuma). Já bem bastam os acelerados centros comerciais e o pai (a sério) que estará a trabalhar na noite de 24 e não virá para jantar.
Assim, e em regra com muito poucas excepções, reajo tipo sarampo – mas ao contrário, pois é do vermelho brilhante que fujo – às célebres mesas anãs e escaparates. É que não consigo distinguir mesmo nada, no meio das estrelinhas, pinheirinhos, e outros inhos nas capas, mais ofuscantes que as luzes do chinês em rima competitiva com títulos estafados pelo espectro lexical reduzidíssimo, a tentar sobressair mais que o vizinho.

Silent Night... não era este o tom ?

Por isso... Depois do Natal (que conheci primeiro em francês, e que ficou comigo desde esse Março quase Abril de Bolonha). Não se tratava este texto de fazer o isolamento de um título sazonal. Apenas aqui o trago para sublinhar, por contraste iluminado, o que acabei de dizer.

É um livro estranho.

Não existe para o mercado depois do Natal (porque tem no título a palavra “Natal”). Não se vende no Natal, porque não tem renas e assume uma paleta escura e nostálgica em papel mate. Porque usa o advérbio “depois” que soa a saldos. Porque não conta exactamente uma história. Porque a figura ri pouco mais que a Mona Lisa e a sua androginia não é de confiança.

É um livro estranho.

E por tudo isso absolutamente perfeito. Pelo menos para mim. Ou não fosse estranha esta loucura rubra em desajuste com o silêncio que o solstício de Inverno tenta sintonizar.

Um livro em suspensão. Menos bons serão os resultados para o editor, mas exacto nessa existência clandestina, traduzindo o indizível e a cumprir no corpo das páginas o que o título promete.
Parece demasiado simples (e é), mas requer para eco completo maturidade de quem já atravessou muitos Dezembros. Mas, se até há pouco o julgava apenas para adultos, uma experiência que conheci recentemente com crianças pequenas, fez-me mudar de ideias. A literalidade disponível nas imagens e nas palavras acolhe igualmente olhares novos, de outra forma, mas já no mesmo caminho, que aquele que faz estrada na afirmação que a literatura infantil mais que brilho é raiz de começo (ou não fosse a planta pequenina na mão “da menina” aquilo em que todas repararam).

Bons dias e começos, agora e depois.

A minha verdadeira lista de 2012 (por Dora Batalim)

(verdadeira, no sentido em que são livros que já estão embrulhados debaixo da árvore cá de casa para oferecer neste Natal. Critérios? Vários, misturados por de diversas razões, algumas o acaso do (re)encontro na livraria, balizados por: uma certa “banda sonora” Invernal, o de sempre: qualidade, qualidade, qualidade, raiz e, neste caso, a felicidade de conhecer os destinatários)

Querer Muito, João Paulo Cotrim e André da Loba, APCC

Os Animais Doméstico, Maria João Worm, Quarto de Jade

O Urso e o Gato Selvagem, Kazumi Yumoto e Komako Sakai, Bruaá

Para Onde Vamos Quando Desaparecemos?, Isabel Minhós Martins e Madalena Matoso, Planeta Tangerina

Quando da Mãe Grita..., Jutta Bauer, Gatafunho

Os Animais Estavam Zangados, William Wondriska. Orfeu Negro

Outra Vez!, Emily Gravett, Livros Horizonte

Uma Cadela Amarela & Vários Amigos dela, Manuela Castro Neves e Madalena Matoso, Caminho

Zimbro, Arturo Abad e Joanna Concejo, OQO

Emigrantes, Shaun Tan, Kalandraka

A Noite de Natal, Sophia de Mello Breyner Andresen, Figueirinhas

Destino, André Letria, Pato Lógico

Depois do Natal, Beatrice Alemagna, Bags of Books

12/21/2012

Recomendações de Natal de Alice Vieira (escritora)

Um meu: Histórias Da Bíblia para Ler e Pensar, Alice Vieira, Oficina do Livro 

E dois clássicos,
 Mulherzinhas, Luisa Alcott, Oficina do Livro (que começa com a célebre frase “Natal sem presentes não é Natal”, tão apropriado para este tempo...) 

O Principezinho, Saint Éxupery, Editorial Presença (porque, se não cativarmos as pessoas, o mundo acaba mesmo…)

12/20/2012

Recomendações de Natal de: Isabel Minhós (autora e editora da Planeta Tangerina)

O pássaro da cabeça e mais versos para crianças/ Manuel António Pina (ilustrações: Ilda David)/ Assírio e Alvim 


O cavaleiro coragem!/ Delphine Chedru/ Orfeu Mini 


Nova iorque em Pijamarama/ Michael Leblond e Fréderique Bertrand/ Kalandraka 


A árvore generosa/ Shell Silverstein/ Bruáa 


O caderno vermelho da rapariga karateca/ Ana Pessoa (ilustrações: Bernardo Carvalho)/ Planeta Tangerina

Recomendações de Natal de: Carla Pinheiro (editora de infantil e juvenil da Dom Quixote/ LeYa)

A Minha Primeira Amália, Maria do Rosário Pedreira e João Fazenda, Dom Quixote 


Mar, Ricardo Henriques e André Letria, Pato Lógico 


Isto ou Aquilo?, Dobroslav Foll, Bruaá

Recomendações de Natal de: Carla Oliveira (editora da Orfeu Mini)



DIAPASON, Laetitia Devernay, éditions La Joie de Lire


O QUE HÁ, Isabel Minhós Martins e Madalena Matoso / edições Planeta Tangerina


O TIGRE NA RUA, ilustrações de Serge Bloch, Bruaá




ACHIMPA, Catarina Sobral, colecção Orfeu Mini / edições Orfeu Negro

12/19/2012

Escolher um livro para uma criança

O que leva alguém a optar por um ou outro livro para crianças? Melhor começar pelo princípio... Quando procuramos um livro para nós, o que queremos, esperamos? O livro terá de satisfazer a nossa fantasia, gosto, cultura, expectativas, desejos, Quando procuramos um livro para oferecer, além de nos tentarmos colocar no lugar do outro, temos o desejo de agradar, de dar algo de nós, de criar no outro uma recordação, uma memória nossa. Casos há ainda onde se junta pouca familiaridade com o presenteado, questões familiares, diferenças de status... E se uma parte considerável dos livros é adquirido como uma prenda, no caso dos livros infantis isto é ainda mais verdade. E o que acontece quando compramos um livro para uma criança? A pedagogia e a didáctica surgem sempre, expectativas, capacidades intelectuais e emocionais da criança (sejam reais ou não), história pessoal, pesadelos nossos e delas. E quando as crianças não são nossas? Quando somos tios, amigos... ou avós? Ainda estamos a oferecer à criança ou aos pais?

Compramos um livro para nós e construímos um mundo, que está no seguimento (ou numa ruptura controlada) com a nossa história pessoal e a nossa história de leituras. O que fazemos ao comprar um livro para uma criança ou um jovem? Se conhecemos bem a criança algo que está no seguimento das suas leituras. Idealmente. A verdade é: queremos a nossa infância e juventude de volta e é isso que queremos comprar, é isso que queremos oferecer. Queremos o que lemos e nos fez felizes. Nenhum problema. Em parte é assim que se cria um clássico. É como quando narramos uma história tradicional, um conto de fadas. Construímos uma tradição literária como construímos tudo o resto. Nada de novo aqui. Procurem blogs sobre livros infantis e comparem as referências a edições novas com as reedições e vintage. As novidades tendem a estar nos blogs de design.

O livro pode até ser um clássico da literatura/ilustração infantil e posso apresenta-lo ao cliente como tal, mas, se só foi editado em Portugal agora, o cliente tende a tratá-lo como uma novidade, a menos que consiga criar um paralelismo com o seu reportório/catálogo pessoal.

Não há inovação, então? Há inovação, claro que sim. Mas no universo infantil ela é mais lenta e não deixa de estar a par do resto, especialmente de qualquer resistência que haja. E se o público está, vamos dizer, “zangado” com a arte contemporânea, porque havia de a aceitar como forma de representação no livro infantil? E se ninguém quer ouvir falar dos quatro cavaleiros do apocalipse nem de sexo, porque os aceitariam como tema? E o gosto? O gosto artístico próprio de cada um e de cada cultura? As pessoas aceitam rupturas e mudança, mas com tempo, e conforme as vão ajustando ao seu reportório.

Mas o mercado mudou de qualquer forma. O tempo é mais rápido também o é a mudança. O facto é que o público está mais receptivo, apesar de tudo. A crise pode até conseguir que se vendam livros de capa mole, coisa que é difícil (o facto da maioria dos livros ser para oferta cria essa peculariedade do mercado, isso e a bibliofilia).

E o que vende estes livros novos? Para já uma insistência na formação de professores e educadores; formação dos pais; sites, blogs e revistas especializadas; redes sociais; secções infantis dos suplementos culturais; mediadores de leitura; marketing (também); livreiros pacientes e perseverantes. E a qualidade.

O cliente nem é parvo nem é cego. Sabe o que quer. Temos muita dificuldade em aceitar que o público recuse alguns temas, representações ou faça surgir questões mesquinhas. Mas está no seu direito. No geral reconhece qualidade, mas pode não querer o livro, basta que não o reconheça  como “apropriado” a crianças. E dentro daquilo que ele quer o livreiro pode e deve privilegiar a qualidade quando lhe mostra hipóteses. A frase, a imagem, o conjunto perfeito de texto e imagem, a punch line. Têm de ser os livreiros encontrá-la, para depois a poder mostrar. A proposta é aceite? Às vezes. Outras não. Depois tenta-se outra vez. E teremos respostas como o referido “É bom mas...” e do “Isto é para crianças? Mas de que idade?” ou mais categórico “Ai, desculpe mas isto é para adultos”, e  “Não levo para dar, é um risco”, e do egoísta “Levarei para mim”, sem esquecer “Já tem oito anos, queria uma coisa sem imagens, queremos que se esforce”, “É um rapaz isso não serve, demasiado rosa ou o herói é uma heroína”, “É muito/é pouco”, e o mais do que esperado: “É caro”. Depois tentamos outra vez, mais tarde. Tentamos todos. Estas resistências e reticências não são específicas do mercado português, trabalhei sempre em livrarias que têm como clientes cidadãos estrangeiros, e há excepções, mas no geral são tanto ou mais conservadores que os portugueses, com reticências ao texto e à imagem semelhantes.  Não é um problema “nosso”, tem características que são nossas.

Ana Rita Rua Fernandes, licenciada em História da Arte e pós-graduada em Livro Infantil é livreira, sempre nas Livrarias Bulhosa, desde 2002.

12/18/2012

A Arte de Ler Livros a Crianças

Ler é ser, sentir, estar, imaginar, compor, reflectir e deixar-se levar.
Ler é ouvir, confiar e deixar-se ficar.

Ler é conjugar todos os verbos com o corpo todo, é sentir inquietação, vontade de viajar, correr pelo mundo e experimentar tudo. É perder a noção do tempo simplesmente à procura.

Ler é seduzir, alimentar, acordar escutas para uma aventura que só tem bilhetes de ida.

Ler é aprender a ver, a ouvir, a comer, a tactear, a cheirar.
O leitor usa os sentidos para ler mundo e a alma para acolher a memória.

Quem lê sente o  texto a dar voltas na cabeça, na boca, no coração e na barriga.
É a ler em voz alta que se esculpem as escutas e afinam os sentidos.

Do ponto de vista de um Livreiro ou de uma Livreira a Arte de Livros a Crianças implica o desenvolvimento de muitas competências que se fazem com muita paixão e o coração nas mãos. Implica sobretudo a vontade e a necessidade de abrir a porta todos os dias como quem abre um livro e se some na leitura.

Há que descobrir, encomendar, carregar caixotes, conferir, ler, reler, dar a conhecer, apresentar,  conjugar, brincar, cuidar, acolher e depois de tudo isto aquietar.
É preciso dar espaço, sentir necessidade, conhecer a escuta e descobrir o destinatário de cada narrativa. Cada livro tem um leitor à sua espera.

Por isso Ler livros a Crianças é uma espécie de recompensa. É lendo e contando que os narradores se convertem em livros vivos, textos animados que passeiam por aí. E de vez em quando sentam-se à sombra dos autores, refrescam-se com textos e oferecem o colo a quem quer sentir.

É na arte de ouvir e contar que a mediação de leitura acontece.
As crianças têm o poder de aumentar, encolher, recriar leituras a alta velocidade.
Talvez por isso, ler em voz alta ou em surdina a uma criança se transforme de imediato num desafio, uma aventura onde não há espaço para uma pessoa só.

A receita é simples:

Escolhe-se um livro a gosto.
Faz-se o refugado em metáforas, comparações e memórias.
Pisca-se o olho  com um ar cúmplice ao leitor, uma piscadela basta.
Oferece-se o colo, ajeitam-se os corpos e as escutas.
Lê-se como que conta um segredo e o sucesso é garantido.

A qualidade do momento converte qualquer história na mais fantástica de todas.

Para quem tem filhos, basta querer, pois nem o melhor contador de histórias do mundo é capaz de competir com um pai ou com uma mãe apaixonados pelas suas crias.

Para os avós, as leituras são de memória.

A minha avó era uma artista. Uma contadora de histórias que nos ensinou a arte de saber pedir outra vez.

Mafalda Milhões, Livreiras da O Bichinho de Conto e contadora de histórias

12/17/2012

Editar Livros Infantis

“Os livros infantis são mais fáceis de fazer, quatro ou cinco linhas e já está.” Esta é uma frase que escuto recorrentemente, quer na esfera profissional, quer na pessoal. A ideia (falsa) de que publicar um livro infantil é mais fácil do que os “outros” tem de ser desmistificada de uma vez por todas. Desenganem-se, pois, todos aqueles que alguma vez pensaram que editar um livro infantil é tarefa fácil. Se o rigor, que deve estar sempre presente na edição e preparação de qualquer obra, é essencial, nos livros infantis esse rigor não pode falhar nunca. Cada pormenor deve ser tratado como o mais importante do livro, e a revisão, a paginação e a harmonia entre todos os elementos têm de encontrar o caminho para a perfeição.

Viver no mundo editorial infantil é ser mais feliz, é nunca parar de sonhar com as histórias que nos abraçam, é nunca parar de pensar na melhor forma de “casar” autores, é nunca esgotar a vontade de aprender com os outros, é nunca deixar de lado a certeza de que estamos todos juntos a construir o futuro, é nunca esquecer que há um propósito maior do que o também necessário exercício comercial.

Citando Hegel: “Nada de importante no mundo foi feito sem paixão.” E eu acrescento que é a paixão pelos livros, pela leitura, pelos leitores e pelos nossos autores que nos faz a todos caminhar na procura daquilo que de melhor temos para oferecer aos outros. Editar um livro, seja infantil ou não, é sempre um ato de amor, é sempre uma entrega maior, é sempre um nervoso miudinho, é sempre uma vitória. Mas um livro infantil tem outro encanto na hora de folhear. E os nossos olhos brilham quando vemos mãos anónimas a desfrutar de livros em que passámos dias, semanas e meses a tornar realidade, para depois os deixarmos partir na procura de um novo ninho. A alegria que se desenha no rosto de uma criança é para nós certeza de que aquele livro já valeu a pena ter sido publicado.

Por isso é que eu digo sempre: ser editora de livros infantis é mesmo a melhor profissão do mundo. É ter a convicção de que estamos a trabalhar para os leitores do futuro e saber que mãos pequeninas (e outras já maiores) vão aprender a sentir o valor das letras e das imagens naquelas páginas de encantar. Quem tem a sorte de conhecer o mundo editorial infantil cedo se apercebe de que é um amor que durará para sempre, que é uma forma de estar na vida e que é um laço que nunca se desatará.

Carla Pinheiro, Editora de Infantil e juvenil da Dom Quixote (Grupo LeYa)

12/14/2012

Mini Max

A ORFEU MINI aposta no álbum ilustrado para miúdos e graúdos. Foi sempre essa a ideia. Ampliar o território artístico da Orfeu Negro e criar objectos inusitados em que todos os elementos dialogassem, das imagens ao papel, das palavras ao desenho gráfico. Objectos-livro e livros-objecto para todos. E em cuja realização todos participassem, sem a primazia do texto verbal, nem a ditadura do autor, ou seja, do escritor.

Na MINI começámos por editar O LIVRO INCLINADO, do artista americano Peter Newell, porta-estandarte de uma colecção que se iniciou, em 2008, com livros traduzidos e que conta hoje com os projectos originais da ilustradora Catarina Sobral, GREVE e ACHIMPA, e com o livro OINC! (uma co-edição Casa das Histórias), ilustrado pela pintora Paula Rego, recontado pela Isabel Minhós Martins e concebido pelo designer Rui Silva. É neste eixo que preferimos trabalhar, com os fazedores dos textos verbais e visuais, em partilha de ideias e com resultados mistos.

No universo do livro ilustrado, e é assim que gostamos de o nomear, reclamando novos termos linguísticos e novas perspectivas do chamado, e para nós defunto, livro infantil (adjectivo que se refere à criança, mas que também significa ingénuo, pueril, simples, tolo, o que nos poderá levar a pensar na razão de vermos ainda proliferar tanto livro adequado a tais acepções da palavra), interessa-nos o conteúdo e a forma, a forma do conteúdo e o conteúdo da forma. Para além da promoção da leitura (sem dúvida, fundamental), é necessária a promoção da literacia visual. Para além dos (benditos) apoios à edição do livro ilustrado no estrangeiro, é urgente criar instrumentos para os editores editarem em Portugal. Editarem bem. Poderem ir mais longe. O livro ilustrado exige enormes investimentos por parte do editor num país em que as tiragens médias são, actualmente, de 2000 exemplares (ou seja, baixas tiragens, maior custo). Por outro lado, talvez as livrarias (a maior parte) também precisem de repensar categorias de arrumação e até o próprio mobiliário. De modo a não condicionarem o editor porque o livro é “grande de mais”, é “um problema para arrumar”, é “torto”, é “para criança ou para adulto?” E, já agora, “para que idade exactamente”?

Give me a break!

Carla Oliveira (editora da orfeu negro)

12/12/2012

Ser Ilustrador em Portugal

Sou ilustrador há 20 anos.

Caracterizar um ilustrador em Portugal pode passar por dizer que é alguém multifacetado, com grande capacidade de adaptação. São assim alguns dos meus colegas. Também eu sou assim quando trabalho para jornais, revistas, publicidade ou editoras.

Quando comecei a receber encomendas de ilustração trabalhava no Jornal de Letras como paginador. Enquanto fazia contas aos caracteres para distribuir nas colunas de texto (nesta altura ainda não se usavam computadores no JL), cruzava-me com figuras como o Eduardo Lourenço, o Augusto Abelaira ou o Almeida Faria, nas visitas que faziam à redacção.

A certa altura, pediram-me que ilustrasse um conto do Urbano Tavares Rodrigues, que ia inaugurar uma nova secção na última página. Seguiu-se outro do Mário de Carvalho e acho que foi assim a minha estreia na ilustração editorial, já um pouco longínqua. Mais ou menos na mesma altura fiz a minha primeira ilustração para a capa de um livro do meu pai chamado "O Pequeno Teatro", por encomenda das Edições Paulinas. E assim entrava no meio dos livros, através de uma colaboração familiar, que se foi estreitanto e ainda hoje se mantém.

Nessa altura não dava grande importância à ilustração. Nem sabia bem o que era ser ilustrador. Acabei por entrar na Faculdade de Belas Artes, mantendo o emprego do JL, e via a ilustração como um passatempo. Um complemento para as outras coisas da vida, bem mais interessantes na altura: noitadas, concertos, etc. Até as aulas de guitarra no Hot Clube me tomavam mais tempo do que os trabalhos esporádicos como ilustrador. E tudo isto se sobrepunha ao curso de pintura que não cheguei a terminar.

Penso que também era assim que se encarava a ilustração de livros para crianças. Um complemento para o texto, sem que as imagens que iam sendo distribuídas pelas página obrigassem a grandes elaborações gráficas. Resolvia-se a coisa com o texto de um lado e a ilustração do outro e já estava.

Acompanhei o aparecimento de uma geração de ilustradores que, no final dos anos 90, trouxe novas formas de trabalhar a ilustração de livros para crianças, ao mesmo tempo que conseguia reivindicar melhores condições de trabalho na relação com os editores. Este período de pujança coincidiu com o aparecimento do Salão Lisboa, criado pelo João Paulo Cotrim, na altura director da Bedeteca de Lisboa, e contava com a direcção artística do Jorge Silva. Desde a primeira edição, em 1998, o Salão, que juntava ilustradores de todas as áreas numa exposição anual, com o respectivo catálogo, passou a ser um ponto de encontro regular. Fala-se de trabalho, trocavam-se experiências e partilhavam-se histórias.

Muitos trabalhavam divididos entre a ilustração editorial e a dos livros para crianças, como eu. Outros especializavam-se, numa ou noutra área. Jornais como o "Independente" e, principalmente o "Mil Folhas" - o suplemento cultural do Público -, criavam espaço para o reconhecimento internacional do André Carrilho ou do João Fazenda, entre outros. Editoras como a Dom Quixote ou a Ambar, criavam novas colecções que privilegiavam a ilustração. Viviam-se bons tempos.

Mais tarde veio o Planeta Tangerina. Um grupo de ilustradores/designers criava uma identidade que rapidamente ultrapassou fronteiras e se impôs como projecto artístico de referência.

Hoje o mercado da ilustração é muito alargado. O sector dos livros infantis lança títulos a uma velocidade estonteante. Criaram-se cursos de ilustração. Organizam-se exposições e encontros. Ser ilustrador em Portugal hoje, é muito diferente do que era há 20 anos. Não porque o país tenha mudado assim tanto neste período, mas porque o que se faz na ilustração é bom. E essa qualidade cria oportunidades de trabalho e público interessado, cada vez mais exigente. A ilustração já não é só o complemento de outra coisa, é uma forma de arte autónoma e independente.

André Letria
Ilustrador e Editor do Pato Lógico

12/11/2012

Livro infantil 2012 - DGLAB

O Setor Internacional/Direção de Serviços do Livro da Direção-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas (DGLAB) tem como principal objetivo contribuir para uma crescente difusão e reconhecimento da literatura e dos autores portugueses junto dos públicos e dos mercados editoriais internacionais. Desenvolve um conjunto de ações e programas integrados, com caráter de continuidade, no âmbito do qual a divulgação da literatura infantil portuguesa adquiriu particular importância nos últimos anos.

Em 2004, perante uma nova geração de ilustradores portugueses que se vinha a afirmar progressivamente pela originalidade, qualidade e diversidade, impôs-se a criação de um instrumento que permitisse incentivar a difusão do seu trabalho no estrangeiro.

Criado com a mesma lógica dos outros dois programas desenvolvidos pelo Setor Internacional - Apoio à Tradução e Apoio à Edição no Brasil -, o Programa de Apoio à Ilustração e Banda desenhada portuguesas no estrangeiro teve a primeira edição no ano de 2005.

Dirigido às editoras estrangeiras, este programa pioneiro foi pensado de forma a permitir a divulgação dos autores de literatura infantil e BD: apoia em simultâneo a tradução e a publicação das obras, podendo ser apoiadas obras inéditas, numa perspetiva de estimular parcerias com outros países e autores.

De 2005 a 2012 foi feito um investimento de cerca de € 380.900,00 para um total de 166 obras, que incluem livros de banda desenhada mas onde são maioritários os livros infantis ilustrados. Ao longo destes oito anos, o número de países envolvidos aumentou: até à data, apoiaram-se editoras belgas, brasileiras, coreanas, espanholas, norte-americanas, francesas, holandesas, italianas, norueguesas, polacas, inglesas e suíças.

A presença na Feira de Bolonha tem facilitado a divulgação regular do trabalho dos autores e da edição infantil e juvenil portuguesa e tem sido fundamental para dar a conhecer o Programa de Apoio à Ilustração e BD. O ano de 2008, por exemplo, foi um marco especial: a convite da Associação Hamelin (Bolonha), a VerPraLer e a então DGLB apresentaram a exposição Ilustrações.pt no Palácio Accurzio, no centro da cidade.

Na Feira, a DGLAB dá especial destaque ao vencedor da última edição do Prémio Nacional de Ilustração e apresenta uma mostra de livros infantis editados no ano anterior. É ainda apresentada a revista Portuguese Children’s Books com uma seleção de novidades que interessam a editores estrangeiros e outros parceiros, que cada vez mais procuram o espaço do stand.


2012 foi um ano muito especial, já que Portugal foi convidado de honra da Feira de Bolonha. O sucesso excedeu as expetativas, e a qualidade da ilustração e dos livros portugueses foi amplamente elogiada, bem como a originalidade e o impacto da presença [Como as cerejas].

Com o mesmo objetivo de assegurar a presença da literatura infantil portuguesa a nível internacional, a DGLAB promove outro tipo de iniciativas por vezes com menos visibilidade mas de igual importância, tais como a apresentação anual de candidaturas a prémios internacionais, como o Prémio SM de Literatura infantil, o Prémio Astrid Lindgren (ALMA) ou o Best Book Design Award. Vale a pena referir que António Mota, candidato ao SM Literatura 2012, integrou a (muito) short-list de 4 candidatos, assim como a menção honrosa que ‘Pê de pai’ obteve em 2008 no Best Book Design Award.

O resultado e o reconhecimento deste trabalho chega continuamente e de variadíssimas formas: a ilustração portuguesa é hoje editada e distribuída em diferentes línguas e mercados, os escritores e ilustradores portugueses são convocados para eventos de prestígio, instituições congéneres baseiam-se nos programas e apoios da DGLAB para criarem incentivos semelhantes.


DGLAB/DSL/Setor Internacional

12/10/2012

Bolonha: o que fazemos aqui?

Nas primeiras idas à Feira do Livro Infantil de Bolonha não nos preocupámos muito em procurar os editores portugueses. O objetivo era precisamente o contrário: ver novidades, outros modos de pensar e construir livros, descobrir novos editores e ilustradores.

Nessa altura, um dos stands mais concorridos e visitados por estudantes e leitores era o das Éditions du Rouergue, editora francesa que durante os anos 90 abria caminho no mundo dos álbuns ilustrados e nos fazia correr para ver os livros novos. Uma verdadeira febre.

A certa altura, já não sei em que ano, reparámos pela primeira vez na presença de uma ou duas editoras portuguesas. Não ficámos orgulhosos: meia dúzia de livros abandonados nas prateleiras, nem sequer um catálogo ou outro suporte de divulgação que fizesse parar. O mais grave  — e estranho, quase absurdo — foi observar como os livros expostos nas prateleiras eram edições traduzidas de obras originais estrangeiras. Ou seja, nada de livros portugueses, originais nossos, que pudesse fazer sentido divulgar junto de outros editores, mas sim obras compradas lá fora e publicadas em Portugal.

Uma exceção sempre foi a presença da DGLB (agora DGLAB): desde que me lembro, a DGLB disponibilizou materiais de divulgação de qualidade, incluindo os apoios à tradução que felizmente continuam a existir (os programas da DGLB não fazem milagres no sentido de porem os editores de outros países a correr cegamente para o que se faz em Portugal, mas ajudam bastante, tornando menos arriscada a aposta em novos autores e ilustradores).


A presença do Planeta Tangerina na Feira de Bolonha fez-se de forma muito gradual: no ano em que editámos o primeiro livro, levámos um exemplar na mochila e arriscámos mostrá-lo a alguns editores com os quais nos identificávamos. Não marcámos reuniões, não conhecíamos ninguém: esperávamos que uma reunião acabasse e tentávamos a sorte, aproveitando os três minutos de intervalo para apresentar o livro (era apenas um e explicava-se muito rapidamente).

Nos anos seguintes, passámos a marcar reuniões com antecedência e a correr a feira, de stand em stand, com uma mala cheia de livros: Toc, toc, podemos entrar?. Terminada a reunião, corríamos pelos corredores alcatifados, fazendo rodar a mala a toda a velocidade, porque a feira é gigante e muitas vezes as editoras estão afastadas centenas de metros umas das outras.

Em 2010, a convite da editora italiana Topipittori, partilhámos um stand na Feira: um dos pequenos, para dois pequenos editores. No ano seguinte, repetimos a fórmula, desta vez três, partilhando um stand um pouco maior (a editora Notari juntou-se a nós). Fomos os 3 caballeros, cada um de sua nação, mas com preocupações em comum, entre elas a necessidade de partilhar custos.

No próximo ano, 2013, estaremos pela primeira vez em Bolonha com um stand individual, mas é provável que apostemos em idas apenas de 2 em 2 anos.

Porque ir a Bolonha de forma individual é caro, não tenhamos dúvidas: aos custos das viagens e hotéis, juntam-se os custos da inscrição, do aluguer do stand, dos transportes, do armazenamento dos livros. Em Bolonha, tudo se paga, até o transporte de uma caixa de um armazém para um stand!, e conseguir recuperar o investimento com vendas de direitos não é linear. É difícil, há muita concorrência, muita exigência, livros de todos os tempos e lugares a tentar chamar a atenção dos editores. Parece-me até que a falta de interesse generalizado entre alguns editores portugueses da área infantil em apostar na área internacional passa por aqui: investir na internacionalização tem custos altos, implica muitas horas de trabalho e o retorno não é um negócio milionário imediato, como tantas vezes se pretende.

Mas se é tão difícil e tão caro apostar na internacionalização, valerá mesmo a pena fazê-lo?
Ou, dito de uma forma mais direta: teremos nós alguma hipótese?
Nada é garantido quando se aposta, mas há alguns pontos em que deveríamos concentrar-nos quando decidimos participar em feiras como a de Bolonha:
O que faz sentido contar da nossa história?
O que temos de bom e diferente para divulgar?
Como podemos distinguir-nos das vagas de livros que todos os ano dão à costa?
Ou, em resumo: o que estamos afinal aqui a fazer?

Outra coisa a que podemos dedicar-nos é olhar para os outros países, para vermos como resolvem problemas comuns aos nossos. O caso dos franceses em Bolonha (e noutras feiras) pode ser um exemplo a ter em conta: os pequenos e médios editores partilham um espaço comum que é alugado através do BIEF — Bureau Internacional de l´Édition Française — um organismo que conta com o apoio do Ministério da Cultura, do Ministério dos Negócios Estrangeiros e da Organização Internacional da francofonia. A missão do BIEF é divulgar a edição francesa a nível internacional e uma das suas funções é precisamente planear e organizar a ida dos editores a feiras internacionais.

Porque não criar uma plataforma semelhante para apoiar os editores portugueses?

12/07/2012

Ler Mais e Ler Melhor

Criado em 2006 para promover a leitura e aumentar os índices de literacia dos portugueses – com especial incidência nos jovens –, o Plano Nacional de Leitura sempre atribuiu grande importância à literatura para crianças e jovens, cujo panorama editorial tem evoluído de um modo muito positivo ao longo das últimas décadas. Sem desejarem constituir-se como um cânone literário, as listas de livros sugeridos ou aconselhados pelo PNL procuram dar a conhecer uma realidade que se alterou substancialmente ao longo dos séculos XX e XXI, já que o corpus herdado do século XIX era constituído, pelo menos em grande parte, por narrativas tradicionais, em que as questões da autoria não assumiam a relevância que têm hoje. Assim foram persistindo até aos nossos dias muitas histórias e contos tradicionais, pouco a pouco fixadas pela escrita de autores como Charles Perrault, Hans Christian Andersen ou os irmãos Grimm.

Hoje, pelo contrário, existem numerosos autores que escrevem e publicam histórias concebidas propositadamente para a infância, ficções especificamente dirigidas a um público infantil e juvenil. A chamada «literatura para crianças e jovens» adquiriu, assim, um estatuto de pleno direito, continuando, quanto a mim, a assentar em três intenções fundamentais: a intenção didáctica, a intenção moralizadora e a intenção lúdica. A primeira diz respeito à vontade de ensinar ou de instruir, sendo com frequência uma das componentes mais relevantes, já que contribui para ampliar os horizontes de conhecimento de crianças e jovens; a segunda prende-se com uma vontade de educar, de edificar, de conduzir para o bem, e aqui entramos num terreno mais sensível, mais melindroso, mas que me parece fundamental para veicular certos valores éticos e cívicos inerentes ao convívio humano em sociedade; finalmente, resta a componente lúdica, a respeito da qual nunca é de mais insistir, já que o contacto com qualquer livro deve proporcionar a quem o lê, como condição prévia e indispensável, o prazer da leitura.

Este aspecto – que é verdade para todos nós – ainda o é mais agudamente quando estamos diante de crianças ou jovens, tornando-se difícil cativá-los para uma dada obra se considerarem a sua leitura uma actividade penosa ou um sacrifício. Sem dúvida que no meio escolar muitos alunos são confrontados com livros cuja leitura pode não lhes agradar, mas aí o problema é diferente, já que se trata de obras que eles sabem ser necessárias ao seu aproveitamento escolar e ao sucesso dos seus estudos, obtendo depois uma recompensa diferida, geralmente ao nível da nota ou do reconhecimento pelos seus colegas, pelos seus professores, pelos seus pais. Bem pelo contrário, no caso de um livro que se lê apenas por gosto e sobre o qual não incidirão testes ou fichas de leitura, não há lugar para qualquer compensação exterior ao acto da leitura. A principal recompensa consiste na leitura propriamente dita, que por isso terá de ser gratuita, recreativa, e de valer por si mesma, dando aos pequenos leitores uma dose de satisfação que lhes estimule futuras repetições desse acto precioso e insubstituível que é o de ler um livro por prazer.

Antes de terminar, retomo o lema do PNL – LER + LER MELHOR – para sublinhar que LER + implica também LER MELHOR, estando demonstrado que a prática continuada de hábitos de leitura, com o seu treino permanente, contribui para uma melhoria da compreensão e para um maior à-vontade quando nos confrontamos com cada novo texto. No entanto, existe aqui uma correspondência biunívoca entre LER + e LER MELHOR, já que a segunda destas premissas pode também implicar a primeira. Na verdade, se lermos melhor, acabaremos por ler mais livros e por ler mais profundamente cada texto, ampliando os nossos níveis de interpretação e alargando os sentidos de cada nova leitura. Por outras palavras, se lermos melhor – por exemplo, fazendo uso de um maior grau de contextualização, de uma maior diversidade de meios ou suportes de leitura, de uma maior capacidade de penetrar nas ambiguidades semânticas de cada texto – acabaremos também por LER +, na medida em que este + passa a envolver uma leitura não apenas fluente e facilmente descodificadora (condições de base), mas também uma interpretação mais pessoal, mais viva, mais profunda, mais capaz de abarcar os múltiplos sentidos de cada texto.

Toda a literatura vive precisamente dessa pluralidade hermenêutica que faz de cada texto um organismo vivo, único, irrepetível, tornando-o singular para cada leitor. Deste modo, para o PNL o aumento das competências de leitura passa sempre, em maior ou menor grau, pela abordagem dos textos literários, dos quais nunca devemos abdicar, quer pela sua importância para o património cultural português e universal, quer pelo sentido que podem dar às vidas de quem os descobre, muitas vezes em momentos tão decisivos como são a infância e a adolescência. É esse o nosso caminho, contando com o apoio quotidiano dos professores e dos bibliotecários – nas salas de aula ou nas bibliotecas – para este desígnio cada vez mais necessário na sociedade contemporânea.

Fernando Pinto do Amaral
(Comissário do PNL)

12/06/2012

Relação entre Escritor e Ilustrador

O texto deve ser defeituoso. Não deve ser capaz de andar sozinho, como se tivesse pernas, como se não precisasse de ajuda para andar, como se não precisasse da imagem para saber caminhar. Se o texto for autónomo e capaz, se não precisar de nada além de si mesmo, é apenas isso. Pode ser um texto excelente, mas é um texto que grita, que nos diz: não preciso de mais nada. Não preciso de ilustrações.

A relação entre o escritor e o ilustrador deve ser, quando penso nisso, como um corpo: uns ficam com os intestinos e com os rins e os outros com o que se vê. A ilustração deve ser um corpo do avesso, a mostrar o que está dentro usando a parte de fora. A questão não deve ser exibir as vísceras, mas sim, o que lhes corresponde cá fora: os cabelos, a pele, os lábios, os olhos a piscar, os dentes, os sapatos, o umbigo, as tatuagens e as mãos. E tudo isso é exactamente o que está dentro, mas de outra maneira, como um avesso.

E o escritor deve saber respirar. As palavras têm de ter espaço entre elas para serem vistas mais eficientemente. As palavras precisam de deixar espaço para o que se vê. Precisam de saber calar-se. Não podem ocupar todas as folhas, usurpar todas as descrições. Em vez de dizerem que aqueles lábios são carmim, devem apenas apontar para o rosto, e, então, entra o trabalho do ilustrador que determinará a cor dos lábios. Uma parte da descrição pertence-lhe. Um texto que chega a um editor e não precisa de desenhos para ser compreendido, é um texto que não precisa de ser ilustrado. Ou melhor, não precisa de decoração, que seria o que, provavelmente, o esperava, pois nesse caso, as palavras bastavam. Não há nada de mal nisso, mas se queremos um livro com ilustração, é preciso que haja lugar para a ilustração e isso não é um espaço na folha, é um espaço entre as palavras, entre o que não é dito.

E o escritor, creio, deve saber mostrar com as suas palavras, que são vísceras, o que lhe vai na pele. Do mesmo modo que o ilustrador deve mostrar na pele o que lhe vai por dentro. Ou seja, devem ser um corpo. Não fazem a mesma coisa, não mostram a mesma coisa, mas são efectivamente um todo.

Afonso Cruz
(Escritor e Ilustrador)

12/05/2012

Literatura para Jovens

Eu não sei o que é literatura para jovens.
Se houvesse fórmula, eu vendi-a e estava rica.
Até quando se é jovem e quando é que se deixa de o ser?
A fronteira é demasiado fluída para se estabelecerem regras.

Por isso às vezes até tenho vontade de ir para um desses milhentos cursos de Escrita Criativa para Jovens para ver se, finalmente, sei o que ando a fazer. Eu escrevo literatura. Ponto. Se os mais jovens me lerem, ótimo. Se não lerem, temos pena.

Mas não escrevo nada propositadamente para eles, ou seja, a pensar na idade que provavelmente terão. (Um dos maiores elogios que recebi foi de uma leitora que tinha lido “Chocolate à Chuva” em adolescente e depois em adulta: “parecia um livro diferente; acho que é um livro que cresceu ao mesmo tempo que eu.”)

Nem escrevo nada “subordinada a mote”. Não escrevo ”romances sobre a droga” nem sobre qualquer outra coisa. A realidade onde vou buscar os meus temas se encarrega de me dar os motes suficientes.

Há algum tempo, a revista Visão incluiu uma série de livros de autores portugueses, sendo que teria de ser um livro de poesia e outro de prosa. No meu livro, para a parte de prosa foi escolhido o romance “Às Dez a Porta Fecha”, habitualmente considerado para jovens mas ali sem nenhum rótulo. E foram muitos os que, depois de o lerem, me disseram “ não sabia que também escrevias romances para adultos!”

Talvez por isso seja o que eu escrevo mais e onde me sinto melhor: profundamente egoísta − assumo − não penso em ninguém senão em mim enquanto escrevo. Se está como eu gosto, se é aquilo que eu quero, se não serei capaz de fazer melhor (e se esta dúvida me assalta, deito tudo fora e começo tudo de novo.)

Quando escrevi o meu último romance − “Os Profetas” − o editor perguntou-me : “é para jovens ou para adultos?” E eu respondi: “lê e resolve tu.” Ele achou que era para adultos. Tudo bem.

Claro que isto não tem nada a ver com a escrita para crianças − e aí tudo é completamente diferente.

Mas disso outros falarão melhor do que eu.

Alice Vieira
(Escritora)

12/04/2012

O Que é Escrever para Crianças

Há quem tenha receitas e definições para tudo. Não é o meu caso.

Comecei a escrever poesia destinada a crianças aos dez anos e a minha iniciação como narradora de histórias deu-se por volta dos treze. Eu própria era apenas uma criança e dirigia-me a crianças muito concretas que, de imediato, me davam as suas opiniões. Foi essa experiência que me fez ter consciência do que era ou não adequado para a infância.

Mais tarde tirei um curso de Letras, embrenhei-me na escrita para adultos, li naturalmente os grandes autores e as grandes teorias e, quando, em 1972, voltei a dirigir-me ao público infantil, possuía certamente mais preparação literária, mais sentido crítico; tinha então dois filhos, ávidos de contos, e, mais uma vez, escrevi para leitores ou ouvintes concretos, analisando a sua psicologia e reação a vocabulários diversos, temáticas e estilos diferenciados.

Hoje vou com grande frequência a escolas e, também aí, me é dado o retorno aos meus escritos por parte de milhares de alunos.

Com esse conhecimento básico, que considero essencial, sinto-me muito à vontade para abordar todos os assuntos, optar por novas experiências.

Já tenho feito livros por encomenda, até para fins didáticos, mas o meu gosto é embrenhar-me na escrita como numa floresta, inventando enquanto escrevo, divertindo-me ou sofrendo com os personagens pois acho que os livros têm de passar pelo âmago mais íntimo dos escritores para serem verídicos e sentidos. Não penso: vou escrever para o jardim escola, ou para o 1º ciclo, ou para adolescentes. Escrevo, arrastada pela força mágica das palavras encadeadas, e no fim é que poderei definir qual o destino de uma obra.
Pessoalmente aprecio os jogos de palavras, o humor, interessa-me passar uma visão do mundo mas abstenho-me de mensagens demasiado explícitas. As crianças não são adultos atrasados mentais, têm grande perspicácia e sensibilidade. Para elas nada é bom demais. Só aprenderão a amar a língua portuguesa se lha apresentarmos de uma forma insinuante, embora aparentemente simples. Mas tal simplicidade pode exibir um aturado labor por parte de quem escreve. Eu, às vezes, ando com uma frase dias e dias na cabeça para a melhorar.

Há quem considere que é na criança que fomos que vamos encontrar a nossa inspiração mais profunda. Decerto essa criança vive ainda em nós, manda-nos recados, será a principal inspiradora de alguns escritores mas, para quem não for saudosista nem viva numa torre de marfim, todas as crianças do mundo se nos dirigem. Pessoalmente, através de comunicação social, das leituras que fazemos.

Passar valores através da literatura infantil numa sociedade em que eles vacilam? Quer queiramos, quer não, passamo-nos a nós próprios no que escrevemos e acho que tal basta. Muitas vezes os professores procuram exigir-nos catecismos de regras morais ou cívicas mas tais caminhos não me aliciam nem seduzem os mais novos que terão de descobrir por si, na vida e nas obras que lêem, as diretrizes que os poderão guiar.

O que é escrever para crianças? É fitá-las nos olhos, falar com elas por escrito, de coração aberto, sem abdicar da inteligência, da experiência, do domínio da palavra.

Luísa Ducla Soares
(escritora)

12/03/2012

Especial Infantil: Editorial

Chegados a dezembro, inicia-se o Especial Infantil.

É para nós uma verdadeira prenda poder oferecer este Especial; estas palavras pensadas sobre pequenas obras de livro em formato de arte.

Aqui, iremos falar sobre o texto, a ilustração, sobre edição em Portugal e sua internacionalização. Iremos falar essencialmente de Portugal e dos portugueses, de todos aqueles que por cá usam o seu génio para fazer crescer os nossos pequeninos (e uns quantos grandinhos).

Este não será um retrato mas apenas várias fotos de um setor entusiasmante e dinâmico, de extraordinária qualidade. Basta falar dos grandes ilustradores portugueses como o Bernardo Carvalho, a Madalena Matoso, o André Letria, a Danuta Wojciechowska (luso-canadiana), o Afonso Cruz e muitos, muitos outros – como ficou patente na Feira de Bolonha 2012, onde Portugal teve honra de convidado (apesar de tudo, sempre temos a agradecer algo à Fabíola Afonso da ex-DGLB) −, passando por autores maravilhosos como a Alice Vieira, o António Mota, a Luísa Ducla Soares, a Isabel Minhós e vários outros que deveria aqui referir se isto não fosse só um post, abrangendo editoras consagradas como a Caminho e a Dom Quixote, ou pequenos projetos quase perfeitos como a Planeta Tangerina, a Orfeu Mini, a Bruáa, a Kalandraka, a Edicare, a OQO, a Cuckoo (cujo trabalho em prol das crianças invisuais devo evidenciar) e tantas outras.

Não. Não poderíamos deixar passar a época sem um especial dedicado a todos eles.

E assim, durante o mês de dezembro e até perto do natal, falaremos de livros infantis.

Para isso temos os blogueres residentes Dora Batalim e Jorge Silva, mas também o contributo de várias outras pessoas do setor entre escritores, ilustradores, editores, livreiros e outros profissionais apaixonados, que se juntam a nós neste especial para contribuir com a sua história para este nosso natal, já amanhã iniciaremos com um texto de Luísa Ducla Soares e, na quarta, de Alice Vieira, que nos falarão sobre o que é escrever para os mais novos.

Eu, vou sentar-me na fila da frente em aprender.

Vocês divirtam-se.

Nuno Seabra Lopes

11/30/2012

Editor em tempos de mudança

Fonte: Salon.com


Na sequência do post do João Carlos Alvim, resolvi dar a minha própria visão do assunto; em larga medida suscitada também pela «conversa» entre José Afonso Furtado e Gustavo Cardoso, na terça-feira passada.

Não haja dúvida, os tempos mudaram, a nossa vida é digital.
Vivemos num mundo onde tudo se regista e todos os nossos atos são informação a ser tratada, trabalhada e utilizada; um mundo onde a verdade é consumer driven, tanto nas hierarquias e temáticas, como nas visões e nível de desenvolvimento. Por outras palavras, não conseguimos acompanhar a mudança tecnológica operada pelo mundo digital, tendo esta destruído o sistema de mediação existente, e ainda nada surgiu para o substituir: andamos à deriva.

Não sabemos o que nos jornais é verdade ou importante (a própria função do jornalista deixou de ser de mediação, para ser de replicação ou criação de informação, com o objetivo de se construírem produtos adequados às necessidades financeiras – de angariação de públicos e de publicidade), o que no Facebook é mentira, idiotice ou equívoco, o que nos livros é pertinente ou de qualidade. Na falta de mediadores capazes e vocacionados para o mundo digital, surgem os «gurus» da opinião pública (os famosos opinion makers, com ideias sobre tudo e mais alguma coisa), vulgarizando o conhecimento numa versão de Wikipédia humana.

O editor, elemento histórico de mediação entre os milhares de conteúdos existentes e o público, deixa cada vez mais de o ser: só nos EUA 50% das publicações são publish on demand e, mesmo entre os restantes livros (edição comercial), a quase totalidade da produção não depende da mediação de qualidade ou de pertinência, de ética ou responsabilidade, mas da avaliação mercadológica da obra. «Adequação» passou a ser um termo demasiado utilizado para explicar esta potenciação das desigualdades de conhecimento e esta desresponsabilização sobre a pertinência das coisas na sociedade. Adequação ao público: se ele quer lixo, é lixo o que se lhe dá; adequação aos parceiros comerciais: prioridade ao aumento das rentabilidades, através do reforço de premissas como a velocidade e o volume das vendas, bem como outros fatores potenciadores (estratégias de preço baixo, campanhas, star system e obras de elevada plataforma de acesso a público) ou contribuintes diretos dos resultados financeiros (venda de espaços, participação em catálogos, etc.), pois são empresas e o «adequado» para uma empresa é ganhar dinheiro, e não ajudar a sociedade.

Já não é possível saber onde está nem como aceder à qualidade (na definição social de livro de qualidade como objeto pertinente, fidedigno, consistente, eticamente responsável e com benefícios para o aumento do conhecimento e da cidadania) por falta de interesse de todas as partes, pelo excesso de informação, pela maior pertinência de premissas económicas de triagem, pela alteração da política de acessos aos canais e de validação dos conteúdos.

O livro, antes o objeto referencial − aquele que era feito para refletir, para analisar − perde para o público atual a sua função, transforma-se na próxima vítima da mudança digital. Não é o «livro digital» que irá destruir «os livros», é a incapacidade de percebermos que sociedade queremos e qual o seu papel.

É hoje mais importante saber que se «pode aceder a qualquer momento» à verdade com uma ida ao Facebook ou à Wikipédia, do que ler de facto os artigos, livros e enciclopédias (maioritariamente online), pensados e analisados, construídos com interação de múltiplas fontes e cuidados éticos definidos.

Tal como se vê a morte dos jornalistas ou dos bibliotecários, os outros mediadores como os editores (e posteriormente até os professores e os educadores) arriscam-se a perder a sua função no mundo nesta fase de mudança e confusão. E já faltou mais para se começar a ponderar na necessidade real de educação formal, pelo menos da base humanista dessa formação.

Neste mundo em mudança os agentes esquecem-se de que as humanidades são a principal ferramenta que temos para pensar (a língua, história, geografia, filosofia, etc., são a raiz da estruturação mental, da interpretação do mundo e da lógica de construção e de atuação nele, tal como a matemática o é para as engenharias). Não saber relacionar, não ter referências históricas, geográficas ou de enquadramento de pensamento é incapacitar os nossos jovens até para a mais simples das ações relacionais (para saber mais ler Marshall McLuhan). Aquilo que para nós é um dado adquirido, para muitos novos públicos é uma incógnita e até o uso do Google para algo diferente daquilo que estão habituados (procurar música, séries, famosos, etc.) poderá ser como uma viagem na selva para um miúdo da cidade (ler também este artigo sobre a forma como o Google transforma a nossa atividade cognitiva).

Mas a necessidade de mediadores nunca foi tão grande. Cabe só aos mesmos mediadores, entre eles os editores, voltarem a provar ao mundo o porquê da sua existência e não demitirem-se da sua função; antes de passarem a ser obsoletos; antes de os livros passarem a ser escolhidos por um gráfico Excel e os textos trabalhados por um qualquer Google editor ou translator.

Nuno Seabra Lopes

11/29/2012

Protagonistas da Edição


A Booktailors – consultores editoriais acaba de apresentar o primeiro volume da coleção «Protagonistas da Edição», com lançamento marcado para a próxima quarta-feira, dia 5, pelas 18h30 na Casa Fernando Pessoa (Lisboa).

O primeiro protagonista é Fernando Guedes, um dos fundadores e histórico editor da Editorial Verbo, e o mais preponderante editor da história portuguesa recente. Da sua história realça-se ter sido várias vezes presidente do Grémio e da Associação Portuguesa de Editores e Livreiros, assim como Presidente da Federação Editores Europeus e da União Internacional de Editores, entre várias outras funções de relevo.

Inúmeras vezes agraciado e autor de obras próprias no campo da poesia, arte, história, edição e memória, foi agora entrevistado pela crítica literária Sara Figueiredo Costa.

A apresentação estará a cargo de outro editor histórico, Francisco Espadinha, fundador e editor da Editorial Presença.

11/28/2012

Dia das Livrarias

É já na sexta-feira, dia 30 de Novembro, que se comemora o Dia das Livrarias.

Este ano o movimento Encontro Livreiro associou-se à Fundação José Saramago para, à semelhança de Espanha, celebrarem o dia.

Todos os livreiros que se queiram associar por favor sigam este link.

Thank God it’s Christmas’

O ano está a terminar e dezembro chega.

Com dezembro chega a família, os bolos, a lareira e... os presentes. De entre todos os membros da família, os únicos que não percebem a crise são as crianças, pelo que elas deverão ser sempre os beneficiários incólumes das vantagens de Natal. São vários os brinquedos disponíveis e, mais ainda, os livros ilustrados ou táteis, sonoros ou olfativos. Falam de estrelas, dinossáurios, princesas e melancias. São os livros infantis.

A partir de segunda-feira, dia 3 de dezembro, e todos os dias, o Edição Especial entra em época natalícia. Ou seja, também pensa nos mais novos e, até ao Natal, só se falará de livros infantis.

Mas não se julgue que se irá falar somente de números: já basta sabermos que os mais de 35 milhões que representam este mercado (infantil e juvenil) já não são o que eram e que as quebras deste ano se aproximam dos 9,5%, por isso falaremos de coisas mais alegres. Falaremos de autores e ilustradores, de escrita e de leitores, e muito mais.

Falaremos de livros infantis e isso é tão bom.

Para abrir (terça e quarta-feira) a palavra aos autores: Luísa Ducla Soares e Alice Vieira.
Contamos também convosco.

11/26/2012

“Uma Cultura da Informação para o Universo Digital”, de José Afonso Furtado


Quem não teve oportunidade de estar presente no lançamento da obra “Uma Cultura da
Informação para o Universo Digital”, de José Afonso Furtado, poderá, amanhã, terça-feira, pelas 19h00, na livraria Almedina Saldanha (Lisboa), assistir a um debate subordinado ao tema entre José Afonso Furtado e o sociólogo Gustavo Cardoso (Professor do ISCTE – IUL).

11/23/2012

Como vejo a função de editor de ficção



Não sendo editor de ficção, estive sempre no lugar de poder trabalhar com alguns (raros, em Portugal), de vê-los em ação e a discutirem a sua função. Ao longo dessas discussões, fiquei com a minha própria ideia do que é fazer editing a um texto ficcional.

Na edição de ficção, os pressupostos da receção são, para mim, essenciais para o bom editing de um livro. Tratando-se de ficção, a quase totalidade das vezes pode incluir-se num género (ex. terror, fantasia, ficção científica, romântico, policial, etc.), o que serve para identificar o texto e dar confiança ao leitor.

Sendo o livro um bem de experiência, não sabemos se iremos gostar de determinado livro antes de o lermos, e faremos as nossas escolhas de leitura na expectativa de que iremos encontrar no novo livro os pressupostos que o inseriram em determinado género (e nós, na categoria de leitores desse género), ou seja, num thriller iremos procurar tensão e ritmo, suspense e crime, velocidade de leitura e um final explosivo; em ficção científica, procuraremos um tema transversal e «universal» da humanidade tratado numa metáfora evasiva, tecnologias impressionantes, imaginação e criatividade adicional; num bildungsroman, procuraremos uma personagem credível e empática, ritmo lento e uma experiência identificável, por exemplo.

O que faz de nós leitores de um determinado género é o capital cultural (e social) acumulado, é o total das nossas experiências positivas e negativas (nomeadamente de leitura ou de usufruto de cultura), que nos molda e dá certezas de que determinado livro será apreciado por nós, pois é de um género/autor/tema que nos interessa.

Na escolha e na leitura, são assim essenciais as referenciações (pontos de reconhecimento) do género e é nesse campo que deve «operar» o editor.

Com isto não quero entrar no tema conturbado do que é ou não é literatura (pois a mesma pode existir ou não em todos os géneros ficcionais, como observamos nos policiais de Rubem Fonseca, ou na ficção científica de Ray Bradbury). Refiro-me apenas aos modelos utilizados pela escrita ficcional e que servem ao autor não só como veículo para a transmissão de algo que pretenda com o texto (reflexão, entretenimento, perceção de realidades, experiência sensorial, etc.), mas também de suporte para a construção deste veículo extenso (livro) necessário para alcançar os objetivos propostos.

O bom editor deverá ser, assim, quem percecione a sua função sob estas luzes, separando o suporte de escrita da verdadeira escrita (estilo próprio e ideias). Ele é tão-somente especialista em aperfeiçoar esse suporte e os seus elementos (ritmos, fidedignidade, inexatidões, erros de escrita, repetições, confusões, etc.) e não deverá imiscuir-se na escrita propriamente dita, alterando o estilo ou modificando (mesmo que, supostamente, para melhorar) as ideias existentes.

Perfeito será sempre o editor invisível, aquele que não altera aquilo que faz do autor o melhor especialista da sua obra, mas tem a capacidade de limpar o texto de todos os escolhos que só atrapalham a leitura.

Isso é o que eu penso, mas quem é de literatura sabe bem melhor do que eu e poderá, com certezas, discordar.

Nuno Seabra Lopes

11/21/2012

Análise de originais para possível publicação, uma filosofia e uma práxis


Não me passaria nunca pela cabeça apresentar senão a minha maneira de ver e fazer uma avaliação de original (ou obra em análise para possível publicação – entenda-se uma obra estrangeira a traduzir ou uma reedição de uma obra anteriormente disponível no nosso mercado, etc). Cada profissional, nas mais diversas áreas, entende e cumpre cada função de modo próprio e, numa tarefa como esta que envolve pensamento estratégico, ainda mais a perspectiva é, como deve ser, individual. Não pretendo de forma alguma apresentar qualquer tipo de abordagem normativa. Há editores que avaliam obras pela leitura da primeira linha e há outros que só o fazem analisando a a obra inteira de um autor minuciosamente. Os métodos diferem e nenhum deles garante o sucesso, da mesma forma como, em princípio, nenhum dita o seu fracasso.

Como em todas as tarefas que compõem o trabalho das ditas indústrias criativas, há sempre uma grande margem deixada ao instinto, instinto esse que pode ser mais ou menos sustentado pelas mais diversas experiências.

Acredito que cada um desenvolve o método que o deixa mais confortável perante a sua decisão. Da mesma forma como acredito que há quem tenha talento e quem não o tenha, como em tudo na vida.

O método de que falo a seguir é o que cumpro já há uns anos e vale o que vale. É o meu, tem sofrido alterações (espero que evoluções), tem aprendido e crescido.

1 – PRIMEIRO CONTACTO, APRESENTAÇÃO E ENVIO

Já o disse nas páginas deste blogue que acho da maior importância que os autores proponentes (e o mesmo vale para um agente de direitos) oriente a sua proposta em função da editora-alvo que selecciona.

Uma editora nacional com um pouco de nome recebe dezenas de originais por semana. Na Cavalo de ferro, editora da qual fui sócio fundador e editor e uma casa especializada em literatura em tradução, apesar de durante uma temporada termos tido um aviso bem claro no nosso site informando que não publicávamos autores de língua portuguesa, recebíamos dezenas de originais por semana. Isto na maior parte dos casos é um desperdício de dinheiro por parte dos candidatos a autores. Da mesma forma os grandes grupos editoriais recebem dezenas de originais de poesia por semana. Ora sabemos que a sua vocação editorial não é esta. E as pequenas editoras de nicho e grande grau de especialização recebem propostas de romances comerciais ou livros sobre dietas…

Um editor que recebe um original mal orientado percebe de imediato que, antes de qualquer outra coisa, está perante um autor que lê pouco (grande mal do nosso país de poetas onde muitos escrevem e poucos lêem). Isto desde logo é algo desmotivante. Um autor que seja um leitor saberá certamente quais as editoras que publicam o tipo de livros que ele escreveu. E sabe-o porque os leitores funcionam por afinidade. Outro problema com o facto de os autores proponentes lerem pouco revela-se muitas vezes pela noção claramente transmitida pelo texto relativa aos modelos ultrapassados (exemplificando: a grande maior parte dos originais de poesia ficou-se pela influência da Florbela Espanca como se nada mais tivesse surgido na literatura nacional e internacional desde essa altura). Claro que há sempre uma possibilidade muito reduzida de estarmos perante o génio: alguém que sem conhecimentos, sem uma cultura literária, consiga, ainda assim, apresentar uma obra magnífica. Essa é a excepção que confirma a regra. Nunca encontrei um caso assim.

Passando à frente e abordando agora a questão do primeiro contacto em termos de apresentação.

Convirá deixar claro que, nos tempos que correm e por motivos já atrás mencionados e debatidos neste blogue, os ritmos de trabalho na edição hodierna são exigentíssimos. Assim e por muito que eu possa perceber a importância que um autor atribui a vir pessoalmente apresentar a obra ao editor, essa abordagem resulta geralmente mal. O editor tem muito pouco tempo e provavelmente nem vai conseguir estar muito concentrado naquilo que está a ouvir. Acresce a isso que um autor com grande capacidade de comunicação não garante, de forma alguma, um autor com potencial editorial ou literário.

A edição em Portugal vive um momento de claro excesso de publicações pelo que a triagem tem de ser minuciosa. Isto influi sobre a forma de estar/ser de um editor, sobre o tempo que tem disponível (e que é muito pouco) e sobre a sua capacidade de atenção.

Há editoras que solicitam o envio de originais por e-mail. Mais uma vez o digo: cada um tem o seu método, mas não estou a ver um editor a analisar as dezenas de originais no seu monitor de computador ou a gastar dinheiro a imprimir os mesmos.

A forma tradicional, o envio do texto por correio, continua a ser a melhor. Eu continuo a gostar de ler em papel e dá-me muito mais jeito para escrever notas nas margens ou verso da folha.

Nota: autores, considerem que quando enviam um original para uma editora, dificilmente o verão ser devolvido. Como vos disse, uma editora recebe centenas de originais por mês. Os custos de devolução ou sequer a existência de um espaço físico onde possam ser guardados de forma organizada são geralmente incomportáveis com a realidade das editoras.

Quando um autor me contacta a perguntar qual a melhor forma de apresentar um original, peço o seu envio por correio. Costumo também pedir para não me enviarem o documento todo. Apenas umas 30 a 50 páginas, precedidas de uma sinopse e de um CV do autor.

Faço-o por vários motivos:

- A sinopse permite-me aferir da adequação da obra ao catálogo da editora onde trabalho. Nessa sinopse deve ser incluído igualmente o número total de páginas da obra.

- O facto de receber entre 30 a 50 páginas passa pelo facto de eu não acreditar que uma obra que não consiga prender/interessar ao leitor nas primeiras 30 a 50 páginas possa funcionar comercialmente. Mais adiante explicarei o que entendo por este “funcionar comercialmente”.

- O CV do autor dá-me pistas sobre a formação, influências e capacidades do autor. Não é, de forma alguma, um elemento decisivo ou decisor. É um instrumento de apoio.

Pequenas chamadas de atenção:

- Por muito que seja boa educação, evitem as cartas manuscritas de apresentação. Nós editores temos geralmente a vista cansada de ler.

- Não enviem textos impressos com corpo de letra 10 ou menor, sem linhas de separação e com uma mancha de texto visualmente agressiva.

- Não enviem textos impressos com tipos de letra originais e divertidos, Times New Roman, Garamond, Windsor, letras clássicas e de fácil leitura. Sobretudo nunca enviem textos impressos em Comic Sans.

- Se as obras incluem ilustrações, enviem um ou dois exemplos. Se o editor quiser ver mais, pedirá. Tenham a consciência que a impressão a cores é bastante dispendiosa e tentem perceber que tipo de ilustrações se adequa ao vosso tipo de livro. Vão a uma livraria e vejam edições similares.

- Não escrevam na vossa apresentação ou sinopse que acham que a vossa obra tem grande potencial comercial. Essa é uma decisão do editor. Esta recomendação funciona por extensão para as vossas opiniões sobre a vossa própria obra. Eu pessoalmente também não gosto de receber a informação de que a obra foi lida pelo professor X ou pelo Autor Y que a considerou muito interessante mas sei que há editores que prezam essas opiniões.

- Evitem erros ortográficos e de sintaxe pelo menos na sinopse e apresentação (mais ainda no CV). Tenham cuidado com a apresentação. Um original enviado a uma editora deve ser apresentado com os cuidados que antigamente se dedicavam à toilette de Domingo. (Fica aqui uma nota muito clara a dizer que o mesmo vale para quem faz testes de tradução, envia CVs para o lugar de revisor ou outro – sim, esta nota é muito necessária, infelizmente).

2 – CRITÉRIOS, MÉTODOS DE ANÁLISE, CONSIDERAÇÕES ESTRATÉGICAS

Há uns anos, ou no Blogtailors ou na revista dos Booktailors, escrevi um texto sobre o que entendia serem os requisitos de um editor moderno. Ainda não mudei de opinião. O editor moderno deve, para além da sua função na máquina editorial, ser um profundo conhecedor dos processos a montante e a jusante. Digam-lhe ou não directamente respeito. O editor moderno tem de ser pessoa de vários ofícios: tem de ser editor, em primeiro lugar, mas deve ser crítico, analista de mercado, psicólogo, diplomata, comercial, marketeer, e muitas vezes financeiro. Isso vai sendo cada vez mais necessário, sobretudo no ambiente das grandes empresas em que as decisões estratégias e até editoriais são mais e mais amiúde tomadas por quem nada sabe do público final ou de livros.

Recebido um original e decidida a sua análise (há sinopses ou apresentações de obras que evidenciam de imediato a sua desadequação), costumo fazer uma leitura simples da obra. O editor deve ser capaz de “esvaziar“ a sua cabeça e fazer uma leitura como um leitor médio. O editor tem sempre de posicionar a sua leitura ao nível da dos leitores.

Dessa leitura deve em primeiro lugar ser aferida a qualidade da obra. A qualidade da obra é definida por um conjunto de atributos: qualidade da escrita, originalidade do tema, da abordagem e do estilo bem como o resultado final. Muitas vezes uma obra não consegue uma avaliação boa em qualquer destes atributos mas no compto geral consegue ser um todo harmónico, coisa que muitas obras que conseguem ser triunfantes em vários dos mesmos atributos nunca chegam a conseguir.

A análise acima é a mais pessoal e cada editor terá metas e notas diferentes a dar consoante o seu perfil de leitor e consoante o tipo de obra em causa. Dessa análise, determinará também o editor, a necessidade de alterações, correcções, adendas ou eliminações que considera necessárias.

Uma segunda análise deve ser feita em seguida e passa pelo conhecimento que o editor tem de ter do mercado editorial e em particular do segmento editorial no qual se insere a obra em análise.

Essa análise passa por perceber em primeiro lugar o seu funcionamento comercial. Explico agora o que quero dizer com isto. Para mim saber se uma obra funciona comercialmente significa saber se dentro das tipologias nas quais insiro a obra e das expectativas que cada tipologia/segmento determina como expectativas médias, a obra faz ou não sentido. Por exemplo: se estou perante um romance “cor-de-rosa” eu preciso de determinar se este está à altura dos rivais no mercado; se estou confrontado com um livro cuja publicação se justifica pelo prestígio que traz a um catálogo ou editora, se ainda assim ele cumpre os requisitos expectáveis desse tipo de livros. Ou seja, dizer que um livro é ou não comercialmente funcional não significa que o editor obrigue a obra a ser rentável na sua apreciação mas a saber que pode ter nas mãos um livro excelente mas tão hermético que apenas 50 pessoas o entenderiam.

Por outro lado é necessário um conhecimento grande do mercado. É preciso saber bem qual o espaço que o mercado dá a determinadas obras. Erro grosseiro de muitas editoras tem sido a edição sistemática de livros de determinada tipologia/género quando há livros muito semelhantes no mercado e incapacidade dos compradores em esgotá-lo. O editor de um livro que se destine a um destes espaços já sobre-lotados tem de estar certo das mais-valias que a obra tem e que a podem destacar acima das demais.

A partir daí a decisão final que deveria caber ao editor mas é cada vez mais tomada por gestores, é definir dentro das necessidades da empresa a possibilidade de encaixe do título aprovado.

Pelo meio disto, o editor teve também de ponderar a lógica do enquadramento de determinada obra numa linha, colecção ou chancela: a obra pode ser excelente mas não fazer sentido numa determinada linha editorial. Caso se determine a sua saída, o editor deverá meditar bem o entrosamento da obra com os restantes títulos a sair na mesma linha/chancela/colecção para que não haja choques ou canibalismo comercial. Deverá conciliar os factores atrás determinados com o momento de publicação ao longo do ano, conhecendo como deve conhecer, os momentos de oscilação do mercado, os momentos ideais para apresentar novos autores, para obter as atenções da crítica/imprensa especializada, para propiciar determinados objectivos comerciais, etc.

As condicionantes a todo este processo variam imenso de editora para editora e podem passar pela disponibilidade financeira, as determinações do mercado, as decisões administrativas e estratégicas que podem privilegiar uma colecção/linha em detrimento doutra, a prevalência da importância de um título sobre outros por questões do momento, etc, etc, etc. Claro que a generalidade destas condicionantes é a responsável por boa parte do caos reinante na lógica de edição de linhas, colecções e catálogos. Caberá ao editor directamente ou em discussão com a Administração da sua empresa, tentar minorar os danos causados pelas condicionantes que determinam alterações ao programa determinado pelo editor.

Pensados todos estes pontos, pelo menos numa primeira abordagem, o editor deve, a partir desse momento, comunicá-los, discuti-los e explicá-los com e ao autor depois de o informar do interesse em fechar contrato e publicar aquela obra. E aqui entramos no território, amplamente discutido atrás neste blogue, da relação Autor/editor.

Hugo Xavier