12/12/2012

Ser Ilustrador em Portugal

Sou ilustrador há 20 anos.

Caracterizar um ilustrador em Portugal pode passar por dizer que é alguém multifacetado, com grande capacidade de adaptação. São assim alguns dos meus colegas. Também eu sou assim quando trabalho para jornais, revistas, publicidade ou editoras.

Quando comecei a receber encomendas de ilustração trabalhava no Jornal de Letras como paginador. Enquanto fazia contas aos caracteres para distribuir nas colunas de texto (nesta altura ainda não se usavam computadores no JL), cruzava-me com figuras como o Eduardo Lourenço, o Augusto Abelaira ou o Almeida Faria, nas visitas que faziam à redacção.

A certa altura, pediram-me que ilustrasse um conto do Urbano Tavares Rodrigues, que ia inaugurar uma nova secção na última página. Seguiu-se outro do Mário de Carvalho e acho que foi assim a minha estreia na ilustração editorial, já um pouco longínqua. Mais ou menos na mesma altura fiz a minha primeira ilustração para a capa de um livro do meu pai chamado "O Pequeno Teatro", por encomenda das Edições Paulinas. E assim entrava no meio dos livros, através de uma colaboração familiar, que se foi estreitanto e ainda hoje se mantém.

Nessa altura não dava grande importância à ilustração. Nem sabia bem o que era ser ilustrador. Acabei por entrar na Faculdade de Belas Artes, mantendo o emprego do JL, e via a ilustração como um passatempo. Um complemento para as outras coisas da vida, bem mais interessantes na altura: noitadas, concertos, etc. Até as aulas de guitarra no Hot Clube me tomavam mais tempo do que os trabalhos esporádicos como ilustrador. E tudo isto se sobrepunha ao curso de pintura que não cheguei a terminar.

Penso que também era assim que se encarava a ilustração de livros para crianças. Um complemento para o texto, sem que as imagens que iam sendo distribuídas pelas página obrigassem a grandes elaborações gráficas. Resolvia-se a coisa com o texto de um lado e a ilustração do outro e já estava.

Acompanhei o aparecimento de uma geração de ilustradores que, no final dos anos 90, trouxe novas formas de trabalhar a ilustração de livros para crianças, ao mesmo tempo que conseguia reivindicar melhores condições de trabalho na relação com os editores. Este período de pujança coincidiu com o aparecimento do Salão Lisboa, criado pelo João Paulo Cotrim, na altura director da Bedeteca de Lisboa, e contava com a direcção artística do Jorge Silva. Desde a primeira edição, em 1998, o Salão, que juntava ilustradores de todas as áreas numa exposição anual, com o respectivo catálogo, passou a ser um ponto de encontro regular. Fala-se de trabalho, trocavam-se experiências e partilhavam-se histórias.

Muitos trabalhavam divididos entre a ilustração editorial e a dos livros para crianças, como eu. Outros especializavam-se, numa ou noutra área. Jornais como o "Independente" e, principalmente o "Mil Folhas" - o suplemento cultural do Público -, criavam espaço para o reconhecimento internacional do André Carrilho ou do João Fazenda, entre outros. Editoras como a Dom Quixote ou a Ambar, criavam novas colecções que privilegiavam a ilustração. Viviam-se bons tempos.

Mais tarde veio o Planeta Tangerina. Um grupo de ilustradores/designers criava uma identidade que rapidamente ultrapassou fronteiras e se impôs como projecto artístico de referência.

Hoje o mercado da ilustração é muito alargado. O sector dos livros infantis lança títulos a uma velocidade estonteante. Criaram-se cursos de ilustração. Organizam-se exposições e encontros. Ser ilustrador em Portugal hoje, é muito diferente do que era há 20 anos. Não porque o país tenha mudado assim tanto neste período, mas porque o que se faz na ilustração é bom. E essa qualidade cria oportunidades de trabalho e público interessado, cada vez mais exigente. A ilustração já não é só o complemento de outra coisa, é uma forma de arte autónoma e independente.

André Letria
Ilustrador e Editor do Pato Lógico

1 comentário:

  1. Olá André,

    Eu sou recém ilustrador e gostava de me lançar no mercado e vincar. Sei que é o que todos os ilustradores querem!
    Mas estive a ler o seu texto e concordo com o que escreveu,a qualidade e exigência são as palavras mestras no mercado. E gostava de lhe perguntar que caminho se deve percorrer para ganhar confiança e visibilidade no mercado/mundo da ilustração. Eu já tenho alguns trabalhos como ilustrador editados, mas sinto que me falta muito...

    Cumprimentos,
    Acácio Santos (kiosaka ilustrador)

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