1/09/2013

Da Feira

Cormac McCarthy já, por algumas vezes, nos mostrou como a humanidade também surge na devastação. Que, em mundos onde nada subsiste, ainda permanece o Homem com toda a sua capacidade, emoções, toda a sua arte de ser. Mas não é por isso acontecer que devemos achar que a arte e a cultura não são necessárias. Não é por seguirmos princípios como os atuais (onde o medo se reveste de pobreza, exclusão e desinserção numa sociedade regida pela capacidade financeira que tem de nela se participar) que devemos considerar que o dinheiro é o principal: o fim que justifica os meios. Os meios são sempre os mesmos, quando de dinheiro se trata: ganhar ou poupar. Variando apenas a fase em que tal necessidade surge.

Esta é uma fase de poupança, como todos sabemos. Por isso o Sérgio Almeida, do JN, alertou-nos no sábado para o facto de a Câmara do Porto ter decidido poupar cortando todo o apoio à Feira do Livro da cidade.

Para já nada sabemos se outros eventos de elevada importância cultural, já com história e que contribuem para o desenvolvimento da sociedade e da região, como as corridas do Circuito da Boavista que existem desde 2005 com o alto patrocínio da CMP, irão continuar, entrando no cemitério de grandes eventos relevantes do Porto, como as corridas de aviões no Douro.

Opções à parte, apenas se assiste a mais um episódio de gasparização da cultura, à sujeição de tudo aquilo que faz de nós pessoas à lógica do Excel. Talvez quando já não houver pessoas possamos viver a felicidade de ter contas limpas.

Entretanto, preparam-se as apostas para mais uma telenovela previsível: o candidato à CMP, Luís Filipe Menezes, deverá apanhar esta como uma sua bandeira, transferindo-a provavelmente para Gaia durante 2013 (prometendo o regresso em 2014 ao Porto), caso Rui Rio nada faça para o impedir. Novamente a cultura se torna somente um argumento político provisório para ganhos imediatos por pessoas que, infelizmente, parecem desconhecer profundamente o que é a cultura.
Haja circo e que ninguém incendeie Roma.

Nuno Seabra Lopes

4 comentários:

  1. Na génese o post é provido de sentido, mas a referência aos aviões do Douro é totalmente desenquadrada. Nada tem a ver com cortes à cultura e muito menos com Rui Rio, como na altura foi amplamente noticiado. Deixo-lhe um link com uma interessante abordagem à questão ( http://oreivaivestido.blogspot.pt/2012/10/red-bull-air-race-o-naufragio-de.html ).

    Como referi no início, quanto à problemática da politização da cultura e dos cortes para actividades culturais, estou de acordo. E quem mais perde são os cidadãos.

    No entanto, neste caso concreto acho que não seria muito complicado as próprias editoras recriarem uma actividade tipo feira do livro.

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  2. Boa-noite, caro Arnaldo Ventura, obrigado pelo seu comentário.
    Concedo-lhe razão na questão dos aviões e gostariam que entendesse que nada tenho contra esses eventos, que até teve notório sucesso em termos de público.

    Mas quando vejo que o erário público tem de ser distribuído por eventos de vária ordem e como alguns dos mais válidos (educacional e socialmente) eventos se vêem habitualmente relegados para segundo plano, fico aborrecido e desmereço o evento, quando deveria apenas cingir-me à questão da opção política. Quanto ao facto da transferência para Lisboa (e pelos valores em causa) que são abordados no post que indica, acho a que a absurdez dos números fala mais alto do que qualquer comentário que eu possa tecer.

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  3. Como o Nuno sabe, sei do que falo quando falo da Feira do Livro do Porto; da "Nova Feira do Livro Porto" reinstalada na Avenida dos Aliados desde 2009. Escusado será dizer que concordo absolutamente com o seu post e que compreendo perfeitamente que tenha incluído o tema das "corridas de aviões no Douro", mesmo que conceda a Arnaldo Ventura que nada tem contra esse evento. De resto, estamos os três de acordo com o essencial.
    Trata-se de uma questão de mesquinhez cultural e de aproveitamento político, que se revelou desde o primeiro dia em que teve início o processo de negociação para que o projecto se concretizasse. Dispenso-me de entrar em pormenores que pesariam demasiado nestes meus considerandos, mas entendo dever deixar registado que foi tudo muito, mas mesmo muito, difícil e arrevesado.
    E sim, caro Arnaldo Ventura, é muito complicado para as editoras recriarem mais do que já recriaram para que este evento tão importante e simbólico não deixasse a cidade do Porto e passasse, em 2009, a ter a dignidade que anteriormente lhe ia faltando. Indo até ao ponto de, já nessa altura, ter resistido ao "cantar de sereia" que abria todas as portas para se realizar a Feira do Livro do Porto... em Gaia.
    Rui Beja

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    1. Nuno e restantes leitores,

      Não me parece que a Feira do Livro do Porto se deixe de realizar por causa da «falta de apoio» da CMP: http://timenoughatlast.blogspot.pt/2013/04/feirar-ou-nao-feirar-eis-questao-ii.html

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