1/03/2013

O Refugo

De vez em quando editoras beneméritas pedem o apoio benemérito dos autores para projectos beneméritos. Ou então projectos em que o receptáculo do benemeritismo é a editora, quiçá pequena e jovem e a precisar de empurrão. E aí começa a armadilha: o escritor veterano quer ser generoso ou então está movido/a por um sentimento menos nobre: o receio de perder o barco, de ficar para trás, num mundo cão que vive cada vez mais de actualidade. [Actualidade que era, em grande parte, inimiga do livro, mais lento e duradoiro que outros media –  fica aqui a nota para outro debate.] E lá há a colectânea sobre o assunto Y ou em torno do tema Z. Como aqui não há vil permuta de vil metal [vil para a nossa cultura católico-aristocrático-esmoler, bem entendido –  fica também aqui a nota para outro debate], o autor veterano envia um resto de sopa passada,que é o que se faz com a caridade, ou então um original menor. (Se começar um original e ele sair bem, certamente dar-lhe-á outro destino, mais lucradouro.) E aqui começa o inferno: quando o livro sai fatalmente sairá a resenha ou a crítica no blog de um leitor dizendo que ficou muito desapontado com os consagrados e, afinal, o único conto digno desse nome, a única pérola no charco, era o original de um jovem desconhecido. Porque há sempre um desconhecido que entra no livro como a pedra na sopa da pedra, quando não é o próprio jovem editor (que afinal também é autor) a antologiar-se e, se for esperto (geralmente é, pode é nem sempre ter talento à altura da esperteza), esse desconhecido agarrará a oportunidade para roubar o palco aos veteranos... que afinal fizeram o papel de idiotas úteis. (E, no caso do editor auto-antologiador, de papel de embrulho.) Solução para o assunto: não tenho. Deixaria apenas a minha recomendação a todas as partes –  é este o meu contributo neste pequeno ensaio – para terem noção desta dança e, depois, agirem em conformidade consoante consciência e sentido prático lhes ditarem. E, já agora, mais um par de recomendações: 1) que o antologiador/organizador não se inclua na selecção (triste é o caso da selecção anual de poesia da FNAC), por muito que isso lhe doa; 2) que o autor não envie refugo para lado nenhum, porque a brincadeira pode sair-lhe cara;  3) que o jovem talento mostre algum respeito pelos mais velhos e baixe um bocadinho a qualidade do seu texto;  4) que o editor tenha em conta que tem de haver permuta séria, de dinheiro ou bens, quando se edita um texto. (Exemplo 1: há meses, em troca de uma ida a uma escola, que valia algum dinheiro, recebi uma leitura em voz alta de um livro que precisava de rever, o que também valia algum dinheiro). Alguma permuta tem de haver, senão é esbulho e, pior, desgarantia de qualidade. Dito isto, caro Nuno Seabra Lopes, continuo à espera de que me apresentes a tal amiga de que falastes.

Rui Zink.

4 comentários:

  1. Com este ótimo texto ganhaste o direito a ser apresentado, respeituosamente, até três amigas minhas, tudo gente de fina estirpe.

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  2. Achei as recomendações muito interessantes, à exceção (e há sempre uma exceção) da "3) que o jovem talento mostre algum respeito pelos mais velhos e baixe um bocadinho a qualidade do seu texto". Para mim, não faz sentido, principalmente, se o jovem talento não for o editor da antologia. Se ele está à procura de um lugar ao sol, porque haveria de baixar a qualidade do texto? O facto de os veteranos enviarem "refugo" é da inteira responsabilidade deles.

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  3. Estimada Cristina Torrão, obrigado. Quanto ao ponto 3, vou reflectir, até porque o problema talvez seja meu: fui educado a dar sempre o lugar aos mais velhos nos transportes e o atavismo tem muita força. Mas é verdade que talvez seja injusto impor os meus valores às novas gerações...

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  4. Desculpe, Tedibera, mas não confundamos alhos com bugalhos! Dar o lugar nos transportes públicos a uma pessoa mais velha (ou facilitar-lhe a vida noutra situação) por motivos físicos, ou de saúde (por ter mais dificuldade em ficar de pé, por exemplo) não tem nada a ver com um jovem autor, à procura de uma oportunidade, anular-se em favor de um escritor consagrado, que não precisa de provar nada a ninguém, tenha este 80, 90 ou 100 anos. Como disse: se o mais velho envia refugo, a responsabilidade é dele.

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