4/25/2013

Curiosidade

Falando da Feira do Livros, no dia 9 de Janeiro o Edição Exclusiva publicou isto.

Será assim tão estranho que tenha acontecido tal como se disse?

4/24/2013

Cuidado, atenção, é permitido olhar para o lado: perigo de explosão

Random house, inc. (para nos irmos preparando para o futuro...)

Na véspera do 25 Abril, nada melhor do que falar deste assunto.

Se aparentemente não estamos casados, a verdade é que a união económica com Espanha é «de facto». Crise lá é crise cá e tudo o que por aquela casa se passa tem inevitavelmente passado para cá, com tudo o que de ventos e coisa e tal os nossos avós disseram.

Tudo isto para falar das recentes revoluções ocorridas no mundo editorial espanhol, onde os problemas da dívida (neste caso não pública, mas privada) têm levado a uma nova «refundação» da estrutura de concentração dos grupos editoriais em Espanha.

Depois da Bertelsmann (recém-fundida com a Penguin para criar o maior grupo do mundo) ter adquirido a parte da Mondadori no negócio hispano-falante, chegou a vez do desmembrar o grupo Prisa /Santillana, a braços com mais de 3.000 milhões de euros de dívida a curto prazo. O resultado foi a venda do braço de edições gerais (infantojuvenil excluído) ao gigante alemão. Alfaguara, Objectiva (do Top 5 brasileiro), Aguillar e restantes marcas passam agora para a alçada da já enorme Random House que passará a ser, também, o novo gigante da literatura no mercado hispano-falante, a par com a Planeta.

Problemas internos à parte (como ficarão as editoras gerais do grupo Santillana em Portugal [Objectiva, Alfaguarra, Suma de Letras], onde a RH já não tem estrutura montada?), este poderá ser um aviso à navegação.

Com a crise a caminhar assim, até quando é que estruturas como o Grupo LeYa resistirão à nova investida dos mega-grupos (ou dos seus antecessores, os fundos de investimento)? Com um pé cá e outro no Brasil, este poderá ser apenas uma aperitivo para quem queira concentrar as edições gerais do mundo ibero-americano, tanto que a LeYa já representa em Portugal muitos dos autores desse grupo.

Nuno Seabra Lopes

4/23/2013

Dia do Livro

Por São Jorge, aos livros!

Julia Vidal

Já não estamos na Reconquista, mas a luta é ainda diária e sagrada.
Hoje, dia de São Jorge e do Livro, vá a uma livraria de bairro e compre um livro, nem que seja a hagiografia do referido santo.

4/22/2013

5 Livros que Mudaram a Edição

Se acham que vou falar dos livros do José António Saraiva, da Bíblia de Gutenberg ou das 95 teses de João Calvino estão muito enganados. No seu tempo estes livros mudaram o mundo e, também, a edição, mas nada que se compare com estás pérolas editoriais, responsáveis pela mais recentes mudanças no mundo da edição. Senão vejamos:

Série Harry Potter
Se achavam que os mais jovens não eram capazes de ler livros sem imagens e com mais de 50 páginas, estavam enganados. Numa geração plenamente envolvida nas tecnologias a série Harry Potter provou que esta categoria tinha um potencial assombroso, tornando-se também um dos maiores sucessos de cross platform publishing, liderando uma série de outros livros que viraram mega-produções cinematográficas (não falo de livros que viraram filmes, mas livros e filmes nascidos de um mesmo projeto).

A Cabana (The Shack)
Se Tristam Shandy e vários outros livros posteriores foram publicados em auto-edição (com sucesso), isso não significou que alguma coisa tivesse mudado. Nem mudou quando Eragon saiu primeiro em auto-edição, antes de ser publicado pela Knopf. Mas quando o livro canadiano de auto-edição A Cabana, de William P. Young chegou ao top do NYT com mais de um milhão de livros vendidos, as coisas mudaram e percebeu-se que não era obrigatório ter-se uma editora para alcançar o sucesso.

A Sangue Frio (In Cold Blod)
Truman Capote tinha consciência de estar a fazer algo de novo quando decidiu usar técnicas narrativas para contar uma história real, fruto de um longo trabalho jornalístico. O modelo, que mistura competência de escrita e realidade, tinha tudo para ser um sucesso. No fundo, nada é mais incrível do que a realidade.

Dádivas do Mar (Gifts from the Sea)
Se a auto-ajuda é o que é, muito se deve a Anne Morrow Lindbergh, heroína da América, esposa do herói Charles Lindbergh e mãe do mais famoso bebé raptado e assassinado da história da América. Com esse currículo, Anne estava no lugar ideal para, junto à praia, pensar na vida e criar o primeiro grande sucesso de auto-ajuda na história da edição.

His Family
Se hoje ninguém sabe quem foi Ernest C. Poole, é porque alguma justiça se fez no mundo. Vencedor do Pulitzer no ano de 1918, mostrou ao mundo que a qualidade e a originalidade não são argumentos para se ter sucesso ou ganhar prémios importantes. Tendo derrotado autores como John dos Passos, Hemingway, Faulkner, Fitzgerald ou Miller, Poole simplesmente plagiava o estilo de autores consagrados, criando narrativas «simples» de ler e agradáveis ao público (habituados a mais do mesmo). Desde então, o fenómeno nunca mais parou.

E não, o 50 Sombras de Grey ainda não tem espaço para figurar neste grupo.

Nuno Seabra Lopes

4/18/2013

E Pur si Muove!


Começando como um desígnio de Manuel Medeiros – plenamente apoiado por alguns amigos de notória proactividade – o Encontro Livreiro de Setúbal conta já com 4 sessões anuais, um prémio carreira, um blogue ativo e uma extensão por terras transmontanas. Mas o que é, de facto, o Encontro Livreiro? Por que caminhos segue e quais os objetivos presentes neste Encontro anual de amigos do livro?

Tendo estado presente em todos exceto no primeiro, tenho visto o desenrolar desta iniciativa, escutado as diversas intervenções e acompanhado o contexto em que se move.

Em primeiro lugar, realço o facto de a ação não se arrogar mais do que ser um encontro de amigos, um lugar de convívio entre pessoas com interesses comuns, onde se propicia o diálogo e a troca de experiência e de ideias. A par deste conceito, têm sido desenvolvidas algumas dessas ideias, como a instituição do Prémio Livreiro da Esperança, ou a parceria com a Fundação José Saramago para a celebração do dia 30 de novembro, dia da Livraria e (agora) do Livreiro.

Desenvolvendo-se num ambiente que declara não acreditar na Associação existente para os auxiliar e representar (a quase totalidade deles afirma não pertencer ou querer pertencer à APEL), claramente acreditam no livre espírito associativo. Associativo na medida em que compreendem que juntando-se conseguirão obter pequenas vantagens (informativas, arquiteturais, estratégicas) para melhorar a sua prática profissional e descobrir novas formas de reinventar a profissão.

Tal como referiu António Alves, da Traga-Mundos (o livreiro transmontano presente), só pelas pequenas coisas (descoberta de autores locais, estratégias de colocação e informação de procura de produtos, realização de ações comuns com distribuição de custos, etc.) já compensa.

O próprio discurso dos Encontros tem alterado ao longo dos anos. De primeiros anos onde a catarse das condições de mercado só era interrompida pelos votos de amor ao livro, as intervenções foram ficando mais claras, avançando-se ideias e discutindo-as, ganhando em propósito e dando ao Encontro mais lastro, mais capacidade para implementar ações e mobilizar pessoas, ou seja, para crescer.

Como alguém escreveu (que não Galileu, que Manuel Medeiros ainda é o mais idoso de todos os participantes – mesmo não tendo podido estar presencialmente) no livro de presenças do Encontro, E pur si muove!, e no  entanto move-se. E move-se no sentido em que Manuel Medeiros sempre quis: que as pessoas conversassem e as ideias surgissem, e as ações fossem implementadas.

Neste Encontro já não há utopias, conhecem o estado do setor e a progressiva extinção da profissão (a par de todas as outras profissões de mediação), mas conhecem também os valores que representam e os ideais que querem e devem ser preservados, procurando entender novas formas de o fazer. Conhecem ambientes diversos (mais urbanos ou setentrionais, mais ou menos abastados), e preocupações distintas. Mas sabem também que se a profissão de livreiro terá pouco futuro (atualmente já quase não existe), haverá sempre futuro para o «Livreiro», alguém que ama e conhece os livros e tem a capacidade de auxiliar os outros a encontrar aquilo que procuram, fazendo disso a sua profissão. E se em algum sítio deste país se procura esse caminho, é aqui.

Texto originalmente publicado no blogue do Encontro Livreiro.

Nuno Seabra Lopes

4/10/2013

O Livro e a Leitura num Mundo Digital


Numa época em que o digital é parte integrante do dia-a-dia das pessoas, há questões que se colocam quanto ao futuro do livro como livro, dos diferentes géneros e da leitura. Será que daqui a cinquenta anos ainda se lerão romances? Se os livros em formato papel deixarem de existir completamente, como serão escritas e publicadas as histórias do futuro? Continuarão a ser textos longos, com duzentas e trezentas páginas? Fará algum sentido pensar-se em páginas? Ou será que as possibilidades do digital mudarão de maneira irreconhecível a forma como se escreve e se leem histórias? Seria um processo natural. A escrita tem sido influenciada desde o início pelo seu suporte – primeiro a pedra, depois o papiro e o pergaminho, depois o papel e a impressão, e por fim o computador e a internet.

Até a forma como um escritor planeia e escreve as suas histórias poderá ser muito diferente. Um autor do século XVIII e um autor dos meados do século XX encaravam desafios diferentes na sua escrita. A mudança da pena para a caneta para a máquina de escrever e para o computador alterou irrevogavelmente processos de escrita. O acesso a recursos como dicionários, enciclopédias e informação noticiosa também terá tido algum impacto e continuará a ter no futuro. Haverá hoje quem não escreva na totalidade os seus livros diretamente no computador? Certamente que serão muito poucos. Isso terá algum tipo de influência no seu modo de pensar uma história e de contá-la? Será possível comparar notas de escritores do século XVIII com as de escritores do século XXI e verificar a diferença? Estas são questões que abrem um tema de debate com muito por explorar.

E os leitores? No século XXI, não havendo as restrições da impressão em papel, o formato tradicional poderá já não se ajustar a este novo mundo do digital. Em vez de comprar e-books com uma narrativa fechada, típica de um livro físico, o leitor poderá ter a possibilidade de subscrever uma história que pretende seguir, e cujos capítulos são publicados durante um período de tempo até aquela história se concluir, como episódios de uma série semanal. Não seria nada de novo, muitos livros nasceram assim, a partir da publicação de excertos em jornais ou em fascículos. Contudo, talvez faça todo o sentido na exploração das potencialidades destes novos suportes digitais a médio prazo.

Por outro lado, os leitores poderão deixar de se interessar por histórias longas e preferir ler narrativas mais pequenas, com ilustrações no texto, e até sons. As novelas gráficas poderão expandir-se no digital, tal como a poesia e o conto, atraindo mais leitores ao aliar texto, com imagem, com todas as funcionalidades que o digital permite. Em que medida é que isso irá alterar para sempre os géneros que reconhecemos hoje como romance, novela, conto, poesia?

Atualmente verifica-se a proliferação de histórias interativas nas lojas de apps para smartphones e tablets, pelo que esse poderá ser um requisito obrigatório no futuro – a integração do leitor no desenvolvimento do enredo e na sua conclusão, levando a uma experiência única de leitura, diferente para cada um. Isto é válido não só para livros infantis, como para histórias para adultos. Neste tipo de narrativas um escritor tem de se associar a outros escritores e até a outros artistas e técnicos para formarem uma equipa que consiga dar resposta às necessidades que tem um conto interativo, tanto ao nível de conteúdo, como também ao nível de design e multimédia. O que é que isso significa para o escritor?

É possível pois que surjam novos e diferentes géneros à medida que o uso de um suporte digital para leitura se vai tornando corrente e os autores se vão adaptando às tecnologias para criar diferentes métodos de contar histórias ou de divulgar informação. Tudo dependerá da imaginação e da capacidade criativa do autor.

Seja como for, o escritor enfrenta, a médio e longo prazo, grandes desafios no seu trabalho de escrita e na conquista dos novos leitores cujos hábitos de leitura serão seguramente diferentes.

Catarina Araújo

4/08/2013

A "outra" leitura



Penso constantemente no conceito de leitura. Passamos o dia a ler. A ler textos, a ler reacções, a ler o nosso próprio pensamento. Lemos com os sentidos todos (as mãos lêem, os ouvidos lêem) e lemos com a cabeça, com a intuição, com a interpretação. A leitura é sempre uma transformação de algo que nos é oferecido. Nada nunca é lido da forma como é recebido. Ninguém lê o que lhe é passado recebendo-o sem o transformar com o poder da interpretação. Ainda assim, é comum que a leitura – se nos perguntarem o que é e não perdermos tempo a reflectir numa resposta – seja apenas vista como a leitura de textos com a visão, textos impressos ou digitais.

Foi o pensar tanto a leitura que me fez criar o LEVA – Ler em Voz Alta, um projecto que grava, em suporte sonoro, livros em papel, encomendados por clientes individuais. As razões para validar a encomenda podem ser as mais variadas, mas a condição essencial é que o cliente final não possa mesmo aceder ao livro impresso, por incapacidade. A ideia surgiu do culminar de diversas histórias que me foram contando e que relatavam casos de familiares ou amigos que, devido à idade ou problemas de saúde, iam deixando de conseguir ler.

Em muitos outros países, nomeadamente em alguns países do Norte da Europa, os audio-livros são objectos com uma produção muito cuidada que acompanham o livro físico e o cliente pode optar por um dos dois. Assim, qualquer pessoa pode ouvir um livro que escolheu enquanto faz exercício físico, enquanto executa tarefas domésticas ou conduz. Nesses países, um audio-livro pertence ao universo da leitura, o que não acontece aqui.

A diferença do nosso país para outros, prende-se sobretudo com o facto de que aqui o mercado do audio-livro não complementa um livro físico, cria sim um objecto de raiz. Ou seja, é um objecto autónomo relativamente a um livro impresso relembrando, como tal, que estamos perante um livro audio e não um livro lido em voz alta, apenas.

Para os invisuais a opção de ler um livro tem apenas dois caminhos – o audio-livro e o braille. O braille tem muito pouco circuito comercial, limitando-se, embora não exclusivamente, a invisuais de nascença. O audio-livro tem uma oferta escassa. As possibilidades são, portanto, muito limitadas.
Com o LEVA pretende-se que qualquer pessoa que tenha uma limitação na capacidade de ler o livro físico, veja essa mesma limitação diminuída tanto quanto possível. Neste caso, pretendemos que a oferta seja igual à que temos quando entramos numa livraria, sem que esse serviço tenha os custos de um serviço de luxo, apenas ao alcance de uma minoria. Com o trabalho de voluntários pretendemos que a leitura esteja acessível a custo zero.

O mercado do audio-livro, a meu ver, teria mais hipóteses de vingar do que o e-book, apesar do crescimento que temos assistido relativamente a este último, uma vez que o audio-livro acrescenta possibilidades de leitura enquanto que o e-book apresenta poucas vantagens relativamente ao livro físico. Não digo que um tenha necessariamente de se substituir ao outro, digo apenas que a energia que as editoras gastam a concentrar-se nos e-books poderia ser gasta em audio-livros que teriam, garanto, muito mais sucesso e cumpririam assim um objectivo socialmente mais rico e positivo, pois, para além de porem a ler quem não tem tempo (e hoje em dia há tantos que o afirmam com tanta displicência), aumentando as possibilidades da própria leitura, permitiam a leitura a quem não pode aceder a um livro físico. E, neste contexto, não posso deixar de referir o importantíssimo papel das grandes cadeias livreiras (uma vez que as independentes fazem um trabalho muito mais cuidado nesta área) no dar visibilidade ao tão pequeno mercado de audio-livros que temos por cá, valorizando, assim, o trabalho destas editoras que resolveram arriscar num mercado difícil porque não se relaciona apenas com a mudança de hábitos – é um mercado que, para vingar, tem de revolucionar a forma como as pessoas vêem a leitura. E aí voltamos ao início deste texto.

Rosa Azevedo

4/03/2013

Padre António Vieira - A Obra Completa

 
 
O Círculo de Leitores faz, uma vez mais, história na edição em Portugal! Ao expressar esta convicção, estarei certamente a ser influenciado pelos trinta anos que passei no Círculo. Acredito, apesar disso, que a opinião isenta de quem vive no mundo dos livros coincidirá com a minha apreciação.
 
Publicar pela primeira vez em quatrocentos anos, a obra completa do missionário sobre o qual Fernando Pessoa se pronunciou, considerando "É de facto o maior prosador – direi mais, é o maior artista – da língua portuguesa.", constitui mais um marco assinalável nas quatro décadas de vida do clube do livro no nosso país, ao longo das quais editou obras de grande valor literário e historiográfico, afirmando-se, justamente, como relevante e prestigiada instituição cultural.

Em À Janela dos Livros: Memória de 30 anos de Círculo de Leitores, procurei fazer uma cronologia tão detalhada e esclarecedora quanto me permitiu o engenho e arte, do que de mais relevante ocorreu na vida editorial do Círculo de Leitores e na sua relação com a sociedade, durante as três primeiras décadas de existência, o tempo correspondente ao período em que tão intensamente partilhei o sabor dos maiores sucessos e os desafios que em cada momento foi sendo necessário ultrapassar.

Amanhã, tem lugar na Aula Magna da Universidade de Lisboa a cerimónia de lançamento da Obra Completa do Padre António Vieira, conforme informação detalhada em À Janela dos Livros. Uma excelente ocasião para que aqui deixe um desafio, no sentido de ser desenvolvido e concretizado, por entidade competente, um projecto de investigação sociológica sobre o forte impacte do Círculo de Leitores na elevação do nível cultural da sociedade portuguesa, nomeadamente por via da divulgação do livro junto de centenas de milhares de famílias, do fomento de hábitos de leitura, do acesso ao conhecimento dos melhores clássicos da língua portuguesa, do incentivo à produção académica de obras de grande vulto, e da disseminação pelo grande público de obras de inegável valor historiográfico. Pela minha parte estarei disponível para, dentro das minhas possibilidades, dar o contributo que seja considerado útil.

Rui Beja

4/01/2013

Protagonistas da Edição: Fernando Guedes


Sei que serei sempre suspeito ao falar deste livro, por ser fundador e antigo coproprietário da empresa que o encomendou e editou. No entanto, desde há bastante tempo que leio e faço a crítica aos livros que saem neste setor e, como não tive implicação direta na criação do mesmo, acho que devo também falar − da forma mais isenta possível − sobre esta obra.

O projeto, existente na empresa desde há longa data (cuja ideia passou por várias fases, entre elas a de entrevistas vídeo só a editores), só se pôde concretizar mais recentemente em boa parte pela conjugação de interesses da Booktailors e da jornalista e crítica literária Sara Figueiredo Costa, amante da «arte negra» tipográfica e devota do mundo profissional da edição, em particular no seu aspeto mais tradicional.

Nessa sequência, e integrada num posicionamento claro da parte da Booktailors, foi publicado recentemente o primeiro livro de uma série de «livros-entrevistas» dedicados aos Protagonistas da Edição, não só aos editores (publishers), como este livro poderia transmitir, mas também aos editores (editors), tradutores e vários outros agentes que compõem este mundo da edição.

O primeiro volume foi dedicado a Fernando Guedes. Se, por um lado, a escolha de Fernando Guedes não poderia ser mais consensual − é um editor «gigante» cuja carreira e importância histórica ultrapassam as fronteiras nacionais, e a mais proeminente figura viva da história da edição portuguesa −, por outro lado a sua execução não é tão simples quanto se pensaria à partida. Por um lado, Fernando Guedes é um ativo autobiógrafo, historiador do livro e da edição em Portugal, tendo na sua biobibliografia mais do que uma obra onde conta a sua história e o seu percurso, a par com a história da edição e comercialização do livro em Portugal, e à qual se deve associar uma outra obra comemorativa por alturas dos 40 anos da Editorial Verbo, onde surgem os restantes elementos em falta da empresa por ele cofundada e gerida. Outro dos elementos a ter em conta é a proverbial reserva de Fernando Guedes em deixar publicar qualquer texto que possa, de alguma forma, apresentá-lo politicamente de forma menos correta, sendo que qualquer «desvio» dos temas e assuntos convenientemente demarcados teriam como resultado a impossibilidade de publicação do livro.

Face aos constrangimentos referidos e à elevada quantidade de informação já disponível sobre o «protagonista», resta a pergunta: o que se pode e/ou sobra contar?

Antes de entrar na especificidade da obra, devo referir-me à coleção. Se Fernando Guedes tem muita biobibliografia, o mesmo não se passa com a quase totalidade do setor, cuja falta de informação é contrastante. Nessa perspetiva, esta coleção é mais do que bem-vinda, é mesmo essencial para preservar a memória deste tempo fugaz para, em conjugação com outras obras de cariz mais científico e historiográfico, auxiliar à criação de uma imagem mais completa do que foi ser editor em Portugal ao longo do século XX. Em termos de design, não sendo especialista nada tenho a apontar; design sóbrio, fazendo lembrar o velho trabalho tipográfico, tem uma leitura higiénica e surge complementada por algumas fotografias – apesar de serem todas na mesma toada e não acrescentando tanto quanto se esperaria −, impressas em bom papel. Do ponto de vista editorial, parece-me irrepreensível, notando-se o cuidado tido com o livro em termos de paginação e de revisão.

Ao layout dos conteúdos deve-se evidenciar que para além do texto central, houve o cuidado de incluir alguns extratextos importantes como uma tabela cronológica e um perfil resumido. Menos evidente surge a necessidade de um índice remissivo numa obra desta (pequena) dimensão, que só se explica pela falta de um índice por onde se possa seguir a ordem dos assuntos abordados. Relativamente ao texto deste primeiro volume, o mesmo foi feito mantendo os traços da relação entrevistador/entrevistado, estando Sara Figueiredo Costa presente não só nas perguntas que surgem, mas também em algumas respostas e na forma como se desenrola a conversa. Torna-se assim o texto mais dinâmico, mais empático, «em jeito» de conversa privada tida à mesa da Sociedade de Geografia (que também surge referenciada como espaço da conversa). Esse modelo permite fazer-se uma leitura calma e escorreita, mas transmite também uma sensação ligeira de «conversa de circunstância», sem o diálogo ou o cruzamento de informações que permita aprofundar as questões abordadas.

Das respostas dadas por Fernando Guedes, destaco a lucidez e capacidade de observação que o Editor mantém, capaz de perceber de uma forma nada «quadrada» − como a dada altura se caracteriza – a evolução e atual conjuntura da edição em Portugal. Também destaco a humildade com que partilha todas as suas aventuras com quem com ele esteve presente e, sem desmerecer o trabalho tido, a «sorte» com que foi podendo desenvolvê-las.

Nesta «conversa» em forma de livro, lamenta-se a pequena extensão da obra, que permite só aflorar brevemente os diversos temas – por vezes dedicando-lhes só quatro ou cinco linhas −, sem espaço para muitas histórias (apresenta apenas uma realmente original sobre de José Gomes Ferreira, e explica com mais alguns detalhes a prisão de Fernando Guedes por alturas do PREC), não acrescentando mais ao que já está publicado nas obras autobiográficas do autor. Quero no entanto referir que este modelo me parece igualmente válido pois, apesar de tudo, permitirá, num prazo relativamente curto, abranger um elevado número de «protagonistas», elencando-os para memória futura e deixando os elementos de base que permitirão que outros possam desenvolver obras mais aprofundadas.

Os próximos títulos, dedicados a Carlos da Veiga Ferreira (histórico editor da Teorema) e Guilhermina Gomes (alma e editora da Círculo de Leitores) já não deverão padecer desse problema pois, e tal como acima referi, pouco ou nada existe publicado sobre outros protagonistas, nomeadamente os agora referidos, e alguns deles são proverbiais não pela sua reserva, mas pela sua coragem em afirmar publicamente tudo aquilo que sabem.

Considero então este como o pontapé de saída – com classe – de uma coleção que poderá contribuir para a divulgação da vida e obra de «Protagonistas» que, cada um à sua maneira, representam uma geração e uma forma de trabalhar e dedicar a sua vida aos livros que hoje já dificilmente encontramos.

Nuno Seabra Lopes