2/27/2013

A Questão da Auto-edição

 
Fonte: Scot's Blog

 Até há alguns anos, um escritor necessitava de passar pelo crivo de um editor para ver, ou não, a sua obra publicada. Se tinha posses suficientes podia fazer uma edição de autor e vender entre os amigos ou, com alguma sorte, ter o seu livro disponível em alguns espaços comerciais locais. Hoje, com o e-book e o aparecimento de diversos sites de auto edição digital, tudo mudou. Pelo menos assim parece, à primeira vista.

Qualquer pessoa que goste de escrever tem atualmente diversas ferramentas disponíveis para ver a sua obra publicada e disponível em sítios de venda de e-books, sem ter de passar pelo juízo de um editor. É o escritor que trata de tudo – da revisão, da edição, da capa, da definição do preço, etc. Na maior parte destes sites a publicação é totalmente gratuita, estabelece-se apenas um contrato de comercialização da obra digital, em que se fixa o pagamento de uma percentagem das vendas ao autor, como acontece com as editoras tradicionais. Contudo, estão a surgir novos serviços para quem deseja que a sua obra chegue às prateleiras virtuais dos leitores com qualidade atestada, e que dão um novo sentido àquilo que as editoras podem oferecer a todos aqueles que não conseguiram ou não quiseram que a sua obra passasse pelo escrutínio de um editor.

O novo site da Leya, lançado recentemente, escrytos.com, não oferece apenas a possibilidade de o escritor publicar gratuitamente a sua obra e tê-la disponível em múltiplos sítios de venda de e-books, como oferece diversos serviços, mediante o pagamento de um valor. Um desses serviços é uma recensão crítica, com os devidos apontamentos sobre aspetos a melhorar no texto. Será certamente interessante verificar como esse trabalho é feito e qual a influência que a apreciação encomendada terá na decisão do escritor em prosseguir ou não com a auto edição da sua obra. Uma outra curiosidade prender-se-á com a utilização do serviço de revisão do texto – quantas pessoas irão recorrer a ele contra o número de pessoas que não utilizarão qualquer tipo de serviço que possa ajudar a valorizar o seu texto. O próximo passo será talvez pensar-se em termos de globalização. Seria interessante oferecer, entre estes novos serviços, o de tradução de originais em português para inglês.

Todavia, esta generalização da auto edição resulta num paradigma interessante que merece ser explorado. Na verdade, apesar de o e-book de um escritor auto publicado poder estar disponível em múltiplos sítios isso não quer dizer necessariamente que a sua visibilidade será maior. O risco de se diluir entre as dezenas de milhares de obras auto publicadas é muito grande e quase certo. O alcance será mais ao nível íntimo, entre família, amigos, colegas de trabalho e conhecidos, tal como uma edição de autor tradicional. Portanto, apesar de agora ser possível editar um livro sem pagar, e de o meio e o suporte serem digitais permitindo uma abrangência de mercados muito maior, a edição de autor na sua génese pouco ou nada se altera, tendo em conta que faltará sempre a capacidade e o know-how de uma editora na promoção e divulgação do livro junto do público geral, apesar de mesmo isso não ser de todo um garante de sucesso.

Tal situação é todavia prevista no site escrytos.com que entre os seus serviços disponibiliza ainda o de divulgação e promoção, em que os recursos de uma editora são utilizados para promover a obra junto da imprensa e dos leitores. Isto poderá conduzir o aspirante a autor à crença de que pagando por esse serviço o sucesso do seu e-book estará assegurado. Na verdade é algo imprevisível, como o é nos casos de livros publicados por via tradicional, mesmo aqueles que fizeram sucesso no estrangeiro.

No final das contas, o essencial para o sucesso comercial de um livro ainda é, sem sombra de dúvida, o «boca a boca», com ou sem a ajuda de uma boa estratégia de comunicação.

Vemos pois uma massificação da auto edição e o surgimento de novos serviços oferecidos pelas editoras que aproveitam a adesão de muitos amantes da escrita a estas novas formas de edição independente de autor para ampliar o seu campo de ação, otimizando os recursos e o know-how de que já dispõem.

Catarina Araújo
Escritora e Assessora de Comunicação

2/25/2013

Do valor dos livros

De todas as obras esta pareceu-me a mais indicada, dado o tema.


Quanto acham que vale um livro? Se para uns o valor é insignificante face àquilo que ele nos dá, para outros os cêntimos já contam na hora de comprar, e procuram sempre o negócio mais vantajoso. No cerne de tudo está esta noção individual da perceção do valor: de quanto dinheiro achamos que vale a pena despender para ter acesso (ou posse) de determinado livro.

Se é fácil percebermos que o valor é consumer driven ou, por outras palavras, ditado por cada um de nós de modo diferente, a verdade é que essa perceção é alterada globalmente por variados fatores externos: o local onde está à venda passando pelos serviços adicionais disponíveis, a utilidade que daremos ao livro, a confiança da marca e, muito especialmente, a nossa experiência em consumir outros produtos similares.

Recentemente temos falado (aqui, aqui e aqui) deste tema, em particular para refletir sobre a forma como variadas práticas comerciais (feiras de usados e venda permanente de saldos, ofertas variadas, etc.) tem vindo a baixar o valor percebido do livro ao ponto de, em alguns casos, o valor que estamos dispostos a pagar por ele já não compensar o trabalho que se tem em fazê-lo profissionalmente, com qualidade.

Para continuar esse tema trago aqui um outro exemplo que recentemente pude comparar. Quase todos se recordam do início da recente «moda» de venda de livros com jornais e news magazines (periódicos). Não sendo algo inovador, há dez anos houve um reatar e expandir da oferta que durante alguns anos multiplicou o fenómeno em Portugal. E somente nos últimos anos tem vindo a decrescer o negócio, mais por desinteresse dos agentes (as condições do negócio tornaram-se desinteressantes) do que outra coisa.

Ora vejamos: atualmente qualquer livro que saia com (por exemplo) a revista Sábado é, quase inevitavelmente, oferecido com a compra do jornal ou adquirido ao valor máximo de 1 euro. No entanto, quando há 10 anos o jornal Público iniciou uma coleção que iria ser um fenómeno espantoso de vendas as coisas eram diferentes. E os resultados foram extraordinários: 2 milhões de livros em 6 meses.

Na altura poucos consideraram um problema, e ninguém se referiu ao factor de multiplicação e desvalorização que um sucesso desses traria (de fenómeno provisório, passou a ser algo constante no mercado dos periódicos) e em como isso iria afetar cada vez mais o valor percebido dos livros.

Mas, que oferta maravilhosa era essa que causou tanto sucesso? Já poucos se recordam da «pechincha» que era comprar estes livros há dez anos atrás. Já quase ninguém se recorda do valor espantosamente baixo dos livros da coleção Mil Folhas: 4,20€ por volume, ao longo de 30 volumes. Com vendas médias superiores a 65.000 exemplares faturaram, só com os livros, bem mais de 250.000 € /título. Não se pode dizer que este tenha sido um mau negócio. Após quase 8.5 milhões de euros, era natural que este fosse um negócio a continuar e a copiar por todos os que se lhe seguissem.

Tanta foi a oferta que os preços caíram e, hoje, livro que fosse lançado com um jornal a 4,20€ seria um total fracasso por ser absurdamente caro (perguntem a qualquer responsável por produtos especiais ou aos departamentos de marketing dos jornais...).

O valor do livro caiu a pique arrastando o mercado. O que antes valia 8,5 milhões hoje nem 1 milhão vale e as receitas já nem dão para pagar o custo e o risco (cabe ao editor assumir a tiragem excessiva para cobrir os pontos de venda e ficar com todas as sobras).

Em semelhança, hoje não é quase possível vender-se um livro infantil ilustrado acima dos 9,00€ e é tão habitual a compra de pequenos álbuns abaixo dos 14,00€ que ninguém em Portugal se dá ao trabalho de os desenvolver, preferindo comprar as co-edições genéricas feitas na China ou na Índia ao preço da chuva. Num mercado de livros «fast food» não consegue sobreviver o trabalho editorial de qualidade e criatividade.

Tal como na música, todos desejam livros de borla, e pensam que o digital é a solução, que se os livros forem muito baratos, milhões irão ser vendidos, quando se esquecem que nem todos os livros são «fast-food», nem todos os livros são para milhões, e que são esses os livros que, se continuarmos a perder valor, irão desaparecer em Portugal.

Da próxima vez que se queixarem que o mercado só publica «porcaria» e que as livrarias só colocam à venda o «lixo», como repetidamente tem dito o António Guerreiro, do Expresso, lembrem-se que o mercado somos nós.

Nuno Seabra Lopes

2/18/2013

O IV Encontro Livreiro e o Associativismo do Livro em Portugal - Um desafio



Imagem de Pedro Vieira

No próximo dia 7 de Abril terá lugar o IV Encontro Livreiro, a concretizar na Livraria Culsete, em Setúbal, como é tradição. Dinamizado pelo livreiro Manuel Medeiros, «O Encontro» constitui já uma realidade que, pelas melhores razões, se afirmou no mundo do livro em Portugal. Conversa, debate e troca de ideias entre as gentes do livro, num ambiente descontraído, são os ingredientes, tão simples quanto estimulantes, que propiciam o sucesso e a continuidade da iniciativa. Penitencio-me por nunca se me ter proporcionado participar; não por falta de interesse ou por desconhecimento, até porque o Nuno [Medeiros] bem criou o apetite e me instou para ir até lá.

Agora, ao tomar conhecimento de que já está na forja a próxima sessão, arrisco deixar aqui um desafio que remete para os tempos (2008-2009) em que tive a responsabilidade de liderar a APEL, e para o objectivo que então foi prosseguido pela direcção da Associação no sentido de agregar mais livreiros independentes no seu seio.

Porque os livreiros em geral, e os livreiros independentes em particular, constituem um elo indispensável para a promover a difusão do livro e assegurar a pluralidade da edição e da cultura, tivemos então contactos com vários profissionais livreiros e levámos a cabo uma iniciativa que se integrava no conceito de valorização e ganho de protagonismo das livrarias: no período imediatamente anterior à realização das Feiras do Livro de Lisboa e do Porto, a APEL organizou a «Semana dos Livreiros» com a colaboração activa da Câmara Municipal de Lisboa, a qual disponibilizou espaços públicos às livrarias aderentes, com isenção de taxas, e levou a cabo acções de promoção do livro em diversas bibliotecas, incluindo uma sessão alargada na Biblioteca Municipal Palácio Galveias. Devo dizer que apesar dos insistentes esforços desenvolvidos não foram muitas as livrarias que aderiram, mas foi grande o entusiasmo com que o fizeram e positiva a obtenção do efeito pretendido. Sei que a iniciativa teve continuidade em anos seguintes, embora a adesão ficasse aquém das expectativas geradas e dos objectivos pretendidos.

Vem isto a propósito de algo que considero ser relevante nos tempos conturbados que se vivem, e para cuja concretização o «Encontro Livreiro» reúne, na minha perspectiva, as melhores condições para servir de embrião: fortalecer a participação dos livreiros no âmbito da Associação Portuguesa de Editores e Livreiros. Isto porque continuo a pensar que é no seio da APEL que se podem criar condições imprescindíveis para expor, discutir e encontrar soluções para consensualizar interesses e posições que, sendo por natureza contraditórios em múltiplos aspectos de carácter comercial, são comuns no que respeita ao essencial do que motiva quantos vivem no mundo do livro.

Estou consciente que não é tarefa fácil, tanto pelo fraco entusiasmo que o associativismo desperta no nosso país, como pelos escolhos acrescidos que resultam das consolidações – editorial e livreira -, e pela crescente verticalização do negócio do livro a que se tem vindo a assistir. Mas estou quase certo que, entre outros, seriam consideravelmente vantajosos - e progressivamente optimizáveis -, os benefícios que se poderiam obter com a partilha de informação, a criação de condições para enfrentar os desafios da inovação tecnológica, a realização de actividades conjuntas, a antecipação e minimização de conflitos de interesses, o encontro de denominadores comuns para lidar com situações anacrónicas que distorcem o mercado, e o incremento do poder negocial junto dos poderes públicos.

Com votos de um grande sucesso para o «IV Encontro Livreiro», aqui deixo o desafio.

Actualização: para informação complementar sobre o «IV Encontro Livreiro».

2/13/2013

LeYa-se


Passados que estão mais de cinco anos desde a formação do Grupo LeYa, é altura de olhar para trás e observar o percurso de um grupo que veio para ficar.

Quando, em 2007, o «barão» financeiro Miguel Pais do Amaral, aka Conde da Anadia, descendente direto do Marquês de Pombal e D. Pedro IV (I do Brasil), iniciou um processo de aquisição de muitas das principais editoras portuguesas com o objetivo de criação de um grupo editorial, poucos acreditaram que este fosse um processo para durar. Empresário ligado à velocidade (de investimentos e de veículos motorizados), muitos vaticinavam a este seu Grupo um futuro rápido, detido por alguém mais interessado em emagrecer e vender − em parte ou por inteiro, a qualquer outro grupo internacional mais orientado para a fileira do livro − do que em reunir uma equipa capaz de fazer um trabalho árduo de criação de um importante grupo do mercado editorial português.

Cinco anos volvidos, percebe-se que todos os que assim pensavam estavam errados. Observa-se um trabalho coerente, difícil mas profissional, de gente que conhece as dificuldades do mercado e, ainda assim, permanece. Tendo surgido no dealbar desta «Grande Depressão», o Grupo LeYa trouxe inovação, qualidade e uma forma nova de trabalhar «para o público final». Apesar de restritas às políticas do Grupo, as marcas iniciais mantêm-se autónomas, com coerência de catálogo, mantendo – à exceção de três ou quatro casos infelizes, como o do José Oliveira e o do Marcelo Teixeira, vítimas de um Grupo que não os soube colocar nas funções devidas – as grandes figuras editoriais que fizeram e fazem aquela casa.

Com uma estratégia de branding suave mais permanente (assente numa imagem estável, na Feira do Livro e no Prémio LeYa), o Grupo é hoje uma referência no mercado editorial onde, em reconhecimento, ombreia e muitas vezes ultrapassa o grande gigante do mercado português, a Porto Editora / Bertrand (as eternas top of mind do mercado português, fruto de anos de presença no escolar e de uma rede alargada de retalho).

Se a estratégia inicial do Grupo parece não ter sido alcançada – a valorização dos seus conteúdos, em particular os autores de língua portugueses a uma escala mais global –, o seu propósito foi-o. A LeYa é hoje a editora dos autores de Língua Portuguesa, pelo menos no que a Portugal diz respeito, com uma aposta forte em consagrados e em jovens autores. E o pouco sucesso internacional deve-se mais a fatores exógenos e à pouca relevância e apoio que a língua portuguesa tem no mundo, do que ao trabalho de quem lá está. O Brasil, atualmente o maior sucesso do Grupo, deve-se não tanto à «ponte» entre os dois lados do rio Atlântico (como diz o grande Onésimo Teotónio de Almeida) mas ao excelente trabalho «brasileiro» da editora LeYa no Brasil.

Em relação a despedimentos e atrasos nos pagamentos, ocasionados por alturas da fusão e/ou recentes anos de agravamento da crise, as mesmas verificaram-se e verificam-se em praticamente todas as empresas editoriais e, diria mesmo, em todas as empresas deste país, mas recordemo-nos que a LeYa mantém-se como um dos grandes editores e empregadores editoriais em Portugal e um agente ativo na renovação e dinamização do mercado de trabalho.

Relativamente ao mercado e à concorrência, o Grupo acabou por suscitar algumas reações iniciais, mas que rapidamente se desvaneceram após a aquisição do Grupo Bertrand/Círculo pela Porto Editora ou a adoção de práticas semelhantes pelos concorrentes, estando atualmente tudo (infelizmente) igual mas, com a crise, pior. A tentativa de criação de uma rede própria (juntamente com a CE) não parece ter tido grandes resultados, nem foi uma aposta forte do Grupo, mais preocupados com os conteúdos e com o desenvolvimento de novas formas de chegar ao cliente, continuando a acreditar que é o cliente e não o canal que vende os livros – em Portugal essa realidade ainda não está provada...

Passados cinco anos o Grupo LeYa parece que veio para ficar por mais uns anos, agora com a experiência e a expectativa gerada em torno do mundo digital – que, agora sim, bate à porta e promete alterar o equilíbrio de forças do retalho.

Não mais um outsider, o Grupo LeYa ajudou a acalmar o setor (terminou com as divergências no meio associativo) e deu um toque mais profissional ao mundo da edição, que ainda acha que tudo o que se passa no mercado é uma ofensa pessoal. Desde o início colocado por muitos «do outro lado da barricada», o Grupo LeYa merece ser hoje visto como o membro ativo e dinamizador que, ao longo destes cinco anos, provou ser.

Nuno Seabra Lopes

2/11/2013

A promoção do livro na era do digital

Ilustração de Dave Coverly

A multiplicação de novos meios através dos quais é possível ler livros, bem como o crescimento da troca de opiniões entre leitores online, suscitará questões sobre como melhor promover o livro junto do público na era do digital. As editoras ver-se-ão confrontadas com a escolha entre os métodos tradicionais e a necessidade de encontrar processos inovadores e diferentes de chegar aos novos leitores. A melhor forma de prever que processos serão esses, é criá-los.

Nos últimos tempos é possível verificar que obras que têm um bom acolhimento por parte da crítica e uma boa divulgação, não significa necessariamente que sejam bem-sucedidas junto da generalidade dos leitores. Os motivos para tal acontecer são vários e suficientemente vastos para outras reflexões. Com a expansão das redes sociais, os blogueres de leitores ganharam um lugar de destaque entre os opinion makers literários e que não deve ser menosprezado. Identificar os blogueres mais seguidos, conforme o género de livro que se quer promover, e gerar um buzz inicial através deles pode ser o caminho para uma promoção mais eficaz.

As novas tecnologias também podem ser um poderoso aliado. A disponibilização dos primeiros capítulos online antes de a obra estar disponível para venda, não só no site da editora, ou no blogue do autor, mas também em redes sociais de livros, como o Goodreads, entre outros, ajudará a criar um interesse inicial pela obra e permitir analisar a sua aceitação pelo público, bem como redefinir estratégias, de acordo com as conclusões retiradas.

Fazer o podcast de um livro também pode ser um meio interessante de divulgação. Existem já muitos autores e editores estrangeiros que apostam nesta forma de promoção. Poderá exigir um pouco mais de investimento, pois se mal feito, corre o risco de afastar os leitores em vez de estimular a curiosidade sobre o título. Terá de se ter em conta o género, o tipo de história, se é para crianças ou para adultos, e escolher, de acordo com as características definidas, a voz, que terá de ser agradável, com boa dicção.

Apostar no lançamento do livro encadernado já com um código inserido que permita o acesso ao e-book, onde o leitor poderá encontrar informações adicionais sobre a história e o autor, criando assim um valor acrescentado, é outra possibilidade. O contrário também é viável – o lançamento da obra em e-book, que uma vez adquirido dá acesso a um desconto para a compra do livro encadernado, lançado posteriormente, numa edição cuidada, aproveitando a ligação sensorial e emocional que o livro encadernado sempre representa para as pessoas. A receção dos leitores ao e-book até pode ajudar a definir melhor as tiragens dos livros encadernados, evitando assim que os exemplares fiquem acumulados em armazém à espera de uma oportunidade em feiras ou nas épocas de saldos.

Fazer uma espécie de evento virtual com o lançamento da obra em versão e-book, que dê acesso gratuito a uma determinada percentagem do seu conteúdo durante um curto espaço de tempo, pode preparar terreno para a edição do livro na sua forma física, e ajudará a criar um público inicial mais alargado do que os lançamentos tradicionais em livraria, dado que por não estar limitado a uma localização geográfica, chegará a um maior número de pessoas.

Para além da promoção virtual, os lançamentos com a presença dos autores em livraria continuam a ser importantes. Talvez não nos seus modelos atuais, mas num novo modelo que passa pela dinamização de um evento, com particular enfoque na sua componente cultural e talvez até no entretenimento. Levar o autor a uma livraria para falar da sua obra e para uma sessão de autógrafos pode já não ser suficiente para estimular o interesse dos leitores. Nem todos os autores têm boas capacidades comunicativas, pelo que o simples lançamento poderá limitar a possibilidade de o autor chegar aos seus potenciais leitores. Assim o evento deve ter um contexto e um pretexto, sempre de acordo com o tipo de livro que se quer apresentar. Deve ser algo mais do que um simples lançamento. Uma apresentação mais elaborada, que recorra ao multimédia, um debate temático, uma animação, no caso de ser um livro para crianças, podem ser formas diferentes e mais ricas de promover um novo livro junto dos leitores que procuram um contacto mais direto com o autor e com a obra.

As potencialidades são muitas e a sua exploração depende apenas da imaginação de cada um. Cada vez mais as editoras terão de integrar o digital tanto na edição dos seus livros, como na sua promoção. A divulgação multimédia, a interacção entre livro encadernado e e-book, a identificação dos opinion makers literários, o planeamento de estratégias que valorizem a promoção do livro em espaços físicos, constituem, pois, chaves importantes para as editoras do futuro.

Catarina Araújo, assessora de comunicação e escritora

2/06/2013

O Livro de Bolso, uma história não tão recente

Um dos elogios que é regularmente feito a Francisco Lyon de Castro é o de ter sido o introdutor do livro de bolso em Portugal. Não querendo de forma alguma retirar o grande mérito desse grande Editor - mérito esse que abordarei mais adiante - , creio ser necessário um pouco de esclarecimento histórico em torno deste assunto.

Antes de Lyon de Castro havia já "livros de bolso" em Portugal. Não tinham esse nome mas o conceito e até boa parte dos mecanismos de divulgação e promoção eram os mesmos. Desde os anos 30, por exemplo, a Civilização tinha a sua colecção de grandes obras a pequenos preços. A Lello iniciou a sua pela mesma altura mas a história não principia aí.

Historicamente e a nível internacional, a designação "livro de bolso" surge de uma colecção iniciada em 1905 pelas éditions Jules Tallandier de Paris. A maior difusão começa, contudo, no mundo inglês, nos anos 30 com as edições da britânica Penguin e nos EUA da Pocket Books (hoje em dia uma divisão da Simon & Schuster). Apenas nos anos 50 e em virtude do sucesso do modelo inglês regressa ao mundo francófono através da Livre de Poche que reunia a participação de diversas casas editoras sob a regência de Henri Filipacchi. Mas estamos apenas a falar da designação "livro de bolso". O conceito em si era bem mais antigo e de invenção francesa.

O conceito é simples: oferecer literatura a baixo preço através de um formato pequeno e "portável". Inerentemente a este conceito subjaz sempre a necessária maior tiragem, absolutamente vital para compensar o editor da menor margem que retira das vendas.

Com efeito, com a massificação do acesso à obra literária, desde finais do século XVIII que edições baratas tinham tomado o lugar da famosa literatura de cordel. Em termos sociológicos é interessante verificar como autores mais ou menos comerciais começam a entender e orientar a sua escrita para um público mais generalizado. Historicamente não surpreende que essa transformação acompanhe igualmente a explosão da imprensa escrita e coincida, por sua vez, com as diversas revoltas político-sociais que marcaram esse final de século.

Nunca se saberá, imagino, quem primeiro teve a ideia, se um autor se um editor, mas a verdade é que, com o começo do século XIX, surgem também as primeiras "edições populares". Os grandes autores vêm as suas obras serem publicadas num formato de prestígio e posteriormente numa edição popular, bastante mais acessível, menos dispendiosa e consequentemente facultada a um preço bastante mais baixo, chegando, desse modo, a um público mais abrangente.

Num percurso paralelo a esse, uma literatura mais popular, de certa forma descendente directa da literatura de cordel, apanha o comboio do neo-gótico de finais do século XVIII (que virá a estar na base dos géneros policial, de terror, do Thriller ou da Ficção-científica), e toma de assalto o mercado do livro. Edições diversas das obras de Ann Radcliffe, Walpole e tantos outros no mundo inglês, de Soulié ou Sue em França (com imensos seguidores), introduzem a literatura de emoção (próxima mas ao mesmo tempo longínqua do melhor Samuel Richardson) a um público ávido de distracção e que tem no acesso ao livro e à leitura a grande distracção.

Estas edições apareciam quase todas de base em formato "popular": pequeno formato, materiais de menor qualidade, baixo custo de produção e reduzido preço de venda em tiragens de vários milhares. Como a imprensa era ainda tipografia manual e a velocidade e quantidade de impressão condicionada, os editores faziam as estimativas comerciais das suas vendas pelo género ou pelo autor, calculando, desde o princípio, que o livro atingiria impressão de mais ou menos de "x" milhares. Assim, os editores sabiam que o break-even point da produção de um livro em altas tiragens só seria coberto após diversas tiragens. Curiosamente um tipo de raciocínio que seria bastante útil fazer-se hoje em dia.

Já agora e por uma questão de precisão histórica, a maior parte das ditas "edições populares" mesmo aquelas que tinham formato maior do que os maiores livros de bolso dos nossos dias, cabiam nos enormes bolsos dos populares da época. Bolsos que eram igualmente usados para transportar intrumentos de trabalho e tudo o mais de que houvesse necessidade.

Em meados do século XIX, em Portugal, a Typographia Rollandiana, inundava o mercado com as suas edições dos autores de sensação, edições traduzidas ou romances apócrifos, ou ainda romances sem autoria explícita "ao modo de Ana Radcliffe" ou "Frederico Soulié". Eram edições em formato ligeiramente mais reduzido do que a maior parte dos formatos de bolso actuais. Outras casas editoras se lhe seguiram.

Nas últimas décadas do século XIX, o Editor David Corazzi traz a Portugal, naquela que foi uma das suas poucas viagens para fora de França, um autor chamado Jules Verne que veio a Lisboa assinar, numa enorme campanha de marketing avant la lettre e grande cobertura de imprensa, os contratos de edição para língua portuguesa. Durante a cerimónia, David Corazzi anunciou a criação da série de luxo e da edição popular. Na viragem do século XIX para o século XX, a Parceria António Maria Pereira oferecia a edição popular das obras de Camilo, imitando Corazzi, na altura já falecido e cuja editora era então de seus herdeiros e cujo nome - de pouca dura devido a disputas familiares e má gestão - fora alterado de David Corazzi Editor para Empreza de Horas de Leitura.

Ambas as edições populares inundaram o mercado a ponto de serem ainda hoje encontradas em quantidade capaz de rivalizar com a colecção Vampiro ou a Livros RTP nos escaparates das lojas de alfarrábio.

Também por cá portante, se seguiram as duas linhas de edição popular então correntes na Europa. Aliás não será de estranhar que o autor Pierre Benoit, que tinha inaugurado em França no ano de 1953 a colecção Livre de Poche, tenha sido publicado em formato de bolso pela Civilização numa das suas diversas colecções populares.

A deliciosa história da criação da Vampiro e da Livros do Brasil e da sua ligação com a Civilização não a posso contar pois não tenho todos os dados mas lanço desde já o desafio ao Nuno Medeiros - creio que até merecia um livro.

Uma das histórias que gostava de conhecer - e essa não conheço de todo - foi a passagem da mítica colecção à qual (erradamente como já referi) se atribuí a primeira aparição do livro de bolso no nosso país, a colecção Livros das Três Abelhas, que começou a ser editada pela Editorial Gleba, para a Europa-América. Qual o papel de Lyon de Castro nessa transição e quais as relações entre a editora que marcou as primeiras décadas do século XX com as suas notáveis antologias de contos e a Europa-América no seu modelo comercial assente sobre o conceito do livro de bolso, são questões às quais gostaria de ter resposta.

E aqui chego ao grande papel que teve a Europa-América de Lyon de Castro enquanto modelo industrial e comercial. De facto a grande inovação foi a criação de todo um modelo editorial e empresarial tendo por base o conceito do livro de bolso. Nada nesse processo era novo excepto a sua dimensão. Havia já várias editoras com gráfica própria, havia várias colecções e vários tipos de livros distribuídos fora do canal Livraria. Nunca, contudo, uma gráfica, a sua maquinaria, o tipo de papel, etc. tinham sido pensados em função de uma estratégia global de produto. Nunca antes a cadeia de distribuição tinha sido alargada a tantos pontos fora da habitual cadeia de distribuição dos livros. E aí, bem como nos sistemas de trabalho editorial (a tradução e revisão, sobretudo no que isso acarretava de bom e mau), a implantação de uma estratégia global foi efectivamente algo de inovador.

A Vampiro da Livros do Brasil e as suas seguidoras colecções de policial (da Minerva, da Bertrand/Ibis, da DH, etc.) nunca conseguiram ter a projecção presencial das ediçôes da Europa-América, e se estiveram próximas foi porque lucraram com o exemplo desta. Em termos de quantidade e meios, a única editora capaz de rivalizar com a Europa-América, mas que nunca acabou por fazê-lo pois optou por ocupar um segmento de qualidade bastante inferior, foi a Agência Portuguesa de Revistas/Empresa Nacional de Publicidade, editoras que surgem de embrião na empresa do Diário de Notícias e cuja história de fusões, vendas, mutação de nomes, e muito mais, daria um grande livro sobretudo pela influência social das suas publicações.

Foi da proliferação do policial de má qualidade (em boa parte causada pela sobre-exploração da fórmula) que derivou uma certa ideia de falta de qualidade associada ainda hoje à edição de bolso. A Europa-América, numa fase já tardia, caiu demasiado no logro da edição sem critério de qualidade editorial que mais ainda afundou a imagem do livro de bolso pois as traduções, por vezes verdadeiros crimes de lesa-conteúdo, já não garantiam pelo preço a compra da parte de um público mais educado e selectivo.

Pode dizer-se muito bem ou muito mal da Europa-América de Lyon de Castro, mas tem de se reconhecer a coragem deste em ter montado um pequeno império com base numa estratégia editorial, comercial, logística e industrial que lhe granjeou um pódio de entre todos os posteriores imitadores.

Só não digam que Lyon de Castro foi o introdutor do Livro de Bolso em Portugal porque não é verdade.

2/05/2013

Fast Happy Readers

Foto retirado do jornal inglês «The Telegraph».

Confesso que tenho andado às voltas com esta questão do país onde o Sol já se põe, e cedo demais. Do Reino Unido, que atualmente se encontra perante o maior encerramento de bibliotecas da história, surge a notícia do alargamento da campanha Happy Readers, da multinacional de pasta de fécula de batata e carnes processadas McDonalds.

Ao longo de dois anos, e durante um determinado período desse tempo, irão substituir os habituais brinquedos oferta por livros infantis. Serão mais de 15 milhões de livros que irão parar à casa destes que fazem, verdadeiramente, a Little Britain.

Por um lado, 15 milhões de livros e um interesse redobrado na leitura é sempre uma boa notícia, mesmo quando ela vem a embrulhar uma empresa que só se interessa em salvar as suas vendas de Happy Meals, que têm sido consecutivamente atacadas, em especial após a campanha «Ministry of Food», encabeçada pelo star-chef Jamie Oliver, e dedicada à alimentação das crianças nas escolas.

Se numa primeira fase colocaram fruta no Happy Meals, incluíram leite biológico e mudaram as embalagens, agora procuram «comprar» os pais, ajudando-os no desenvolvimento cultural dos petizes.

Por outro lado, não direi que 15 milhões de livros irão esgotar o mercado do livro infantil, pois apesar de tudo o livro é um produto cultural aditivo e quando mais livros se tem/lê, mais livros se quer ter/ler. Daí que poderá até propiciar a venda de mais livros, em especial dos autores incluídos nesta oferta. No entanto, quando se oferecem livros na compra de um hambúrguer com batatas fritas a um preço irrisório, dificilmente isso não afetará o valor percebido do mercado do livro infantil, já de si tremendamente desvalorizado. Se é fácil vender a cêntimos um livro com uma tiragem de 15 milhões, o mesmo nunca sucederá com todos os restantes livros, que se tornam, automaticamente, demasiado caros.

No fundo, todos nós gostamos e achamos que devemos comer peixe, mas quando nos oferecem douradinho durante demasiado tempo, deixamos de saber pescar e de saber o que é isso, de peixe.

Temo que a «benevolência» comercial desta empresa de fast food possa ser uma ação demasiado disruptiva para que possamos todos ficar contentes com a presença de mais um livro na casa de todos os ingleses. Se Juvenal ainda fosse vivo diria algo como Hambúrgueres e Trash TV, para caracterizar esta nova Roma.

Nuno Seabra Lopes

2/02/2013

Democracia Editorial

Bárbara Bulhosa, editora e proprietária da Tinta da China Edições. 

Reflexão sobre responsabilidade editorial, quando a editora Bárbara Bulhosa é constituída arguida por publicar o livro Diamantes de Sangue, do jornalista angolano Rafael Marques.

É dos livros e está nos livros: a palavra escrita constitui o mais poderoso instrumento de liberdade democrática e a sua publicação em livro dá-lhe a força e a perenidade que assusta os fracos de espírito e os ditadores com provas dadas. Em entrevista recente à revista Visão, o jornalista, cronista e escritor António Mega Ferreira, que na segunda metade dos anos oitenta também exerceu como editor, refere: “Tenho um lápis, oferecido por uma amiga, que tem a seguinte inscrição: «This machine kills fascists» …”. Lapidar!

O tema do livro agora posto judicialmente em causa, o seu autor e as personagens envolvidas no enredo, não constituem a essência desta reflexão. São o que são, ou o que deixam de ser. A questão principal que, neste caso, me interessa realçar, é o significado de ser Editor, a coragem necessária para ser Editor e a constatação de que não há revolução digital que substitua o Editor como agente maior da divulgação plural do pensamento, da cultura e do exercício democrático da cidadania responsável. Se assim o quiserem entender, é o exteriorizar da satisfação de quem nunca foi editor, mas viveu, trabalhou e conviveu de próximo com grandes Editores, por poder confirmar que a função de Editor se mantém viva e se recomenda.

Sabemos, pela história deste nosso país, o que foi o controlo, a perseguição e a repressão a que os editores portugueses estiveram sujeitos durante o período do Estado Novo. Não citando nomes, porque foram muitos e não quero cometer a injustiça de não mencionar alguns deles, sabemos como foi fulcral o papel dos editores para, servindo de charneira entre autores proibidos pela censura e livreiros que se arriscaram para os fazer chegar aos seus leitores, darem corpo e forma a obras da maior relevância que, de outro modo, dificilmente teriam visto a luz do dia. Sabemos também como, mesmo depois da institucionalização da democracia em Portugal, vários editores souberam resistir a pressões, directas ou indirectas, para condicionar a publicação de um qualquer livro. Não nos esqueçamos, meramente a título de exemplo, da saga que rodeou a publicação pelo editor Nelson de Matos, em 1989 e em co-edição D. Quixote – Círculo de Leitores, dos Versículos Satânicos, de Salmon Rushdie.

Noutro tempo e de outro modo, também os editores de hoje precisam de ter coragem. Ao editar Diamantes de Sangue, na sua Tinta-da-China, Bárbara Bulhosa constitui um exemplo vivo da coragem que se mantém indissociável do exercício como Editor. Neste caso, com a particularidade de estarmos perante o estatuto, cada vez menos comum, mas também cada vez mais relevante, de uma casa editorial independente de grupos editoriais ou económicos. Vale no entanto a pena sublinhar, que também nos grupos editoriais existem Editores com a necessária coragem e aos quais é atribuída a devida independência, dentro, necessariamente, dos princípios gerais que permitem assegurar a necessária coerência global. Permito-me, no entanto, expressar as minhas dúvidas sobre o comportamento que os grandes conglomerados de raiz não editorial, como a Amazon, a Google, ou a Apple, têm em mente neste domínio.

Parabéns Bárbara Bulhosa. A solidariedade dos seus colegas Editores está certamente consigo.

Rui Beja