12/20/2014

A grande transformação das livrarias


O relatório não é novo. Data de Outubro de 2013. Mas só há pouco chegou ao meu conhecimento, por via de relato da conferência "A livraria como rede social sem algoritmos: políticas públicas de apoio", proferida por Joaquín Rodriguez e Manuel Gil, no passado dia 1 de Dezembro, na Feira Internacional do Livro de Guadalajara. Conforme resumem os conferencistas:
La tesis principal de la exposición era la de señalar la situación de deterioro generalizado en que se encuentran las librerías en el mundo, por lo que compartimos los datos de situación de las librerías en Europa (y específicamente de España), y las políticas públicas de apoyo que se están poniendo en marcha en sus respectivos ámbitos. 
El diagnóstico del que partíamos se basaba en la consideración de que mucho antes de que estallara la crisis que ha asolado el mundo del libro en España ya existían indicadores negativos de la situación que permitían prever cómo la cadena de valor predigital, la cadena de valor analógica tradicional, comenzaba a desintegrarse. 
La idea de desarrollar políticas públicas de apoyo a la librería (mediante el desarrollo de sellos de calidad, beneficios fiscales y apoyo financiero directo, además de la defensa contra las iniciativas multinacionales que amenazan con convertirse en monopolios de hecho), parte de la convicción de la necesidad de garantizar el acceso a los lectores a la enorme riqueza bibliográfica de nuestro país, de preservar la diversidad de la oferta cultural mediante el mantenimiento de una red que la comercialice y distribuya, de avanzar en un rediseño y reingeniería de estos espacios para encontrar nuevos mix, nuevos modelos de negocio que permitan reflotarlas, adaptarlas a una nueva cadena de valor en la que tienen que encontrar su sitio y su función. 
Una idea que propusimos fue la de poner en marcha un Pacto Nacional por el Libro que incluya no sólo a los agentes de la cadena de valor, sino también a lectores y bibliotecarios, todo ello auspiciado por unas administraciones públicas sensibles con el devenir de una industria en serias dificultades en el momento actual, y con unas expectativas sombrías de futuro. 
A buen seguro entendemos posible abrir un debate y una reflexión colectiva sobre el asunto. Consideramos que promover una cierta complicidad con la situación de las librerías y los libreros forma parte de una actitud de renovación y de protección del sector, algo que está entre las preocupaciones más acuciantes del Cerlalc por impulsar políticas públicas de apoyo a la librería en Iberoamérica, algunas de cuyas líneas ya están definidas en la Nueva agenda del Libro y la Lecturay  que serán desarrolladas en un plan específico en los próximos meses
E nós por cá? Como vamos de políticas públicas? Porque é que não passamos das críticas ao "sistema" para o reforço do "associativismo editorial e livreiro"? Por que não se avança para um tipo de "pacto" conforme foi proposto em 15 de Setembro, na apresentação do estudo sobre o Comércio Livreiro em Portugal?

Se não passamos das palavras aos actos...

Rui Beja
 

12/13/2014

As soluções positivas e as soluções negativas: a APEL e a Agência Nacional de ISBN

Recentemente a APEL (Associação Portuguesa de Editores e Livreiros) emitiu um comunicado em que informa que, devido ao retirar do apoio da secretaria de Estado da Cultura que "nos últimos anos, tem subsidiado uma parte dos custos operacionais da agência e tem permitido manter este serviço público gratuito", não tem outra solução que não seja cobrar o serviço e avança com a proposta que todos poderão consultar abaixo:


Nesta proposta há vários pontos que me intrigam. O primeiro é o claro abuso relativamente aos pequenos e médios editores. Se um editor associado da APEL que, digamos, pede 50 ISBNs por ano vai pagar um aumento de 10% na quota de associado, como poderá sentir-se face a um grande editor que pede mais de 500 ou 1000 ISBNs e vê a sua quota aumentada nos mesmos 10%. Esta é uma solução negativa e poderia ser resolvida por um aumento percentual da quota relativamente a chancelas activas, o que permitiria de imediato distinguir os pequenos dos grandes editores.

Para os não-sócios a tabela de preços está patente e considerando o número global de livros publicados anualmente em Portugal, quer os que encontramos nas livrarias quer os que raramente lá chegam como as publicações Universitárias, de organismos públicos, várias publicações periódicas, separatas e folhetos de alguma dimensão, e se calcularmos que cada ISBN "custa" em média (deduzo-o pela tabela) 10 €, estamos a falar de valores muito significativos (claramente acima dos 400.000 €).

A ideia do desconto por quantidade de ISBNs pedidos é também interessante, estamos a falar de aplicação de uma política comercial dentro de uma agência nacional! (Algo como dizer que quem tem muitos rendimentos pode pagar percentualmente menos impostos.) E mais uma vez e para usar uma expressão cunhada em discurso culto e oficial pelo nosso Primeiro-Ministro, "quem se lixa é o mexilhão". O pequeno editor que paga mais por pedir menos ISBNs como se um ISBN fosse um produto lucrativo (que parece efectivamente ser, para alguém).

Acresce a isso a estranha questão do que é, fora do âmbito dos associados da APEL, um editor profissional ou um editor não-profissional. Pano para muitas mangas de discussão.

Permitam-me então apresentar uma ideia um bocadito mais interessante, creio eu.

Imagine-se que com metade do valor global que se espera arrecadar para cobrir parte dos custos operacionais, se investe no desenvolvimento de uma aplicação que funciona a partir do site da internet da APEL - como já é o caso.

Quem quer que queira pedir um ISBN tem de se inscrever nesse site dando os dados da sua empresa ou os seus pessoais em caso de edições de autor.

Digamos que para obter o ISBN tem de preencher um X número de dados informativos obrigatórios sobre o livro em causa (o que fará com que, pela primeira vez na história do ISBN em Portugal, haja informação efectiva sobre os livros permitindo a elaboração de índices e garantindo dados fiáveis de mercado sobre a tipificação dos livros e publicações já que antes raro era o editor que preenchia a ficha de informação adicional). E claro que o gerar do ISBN é feito automaticamente através do software disponibilizado gratuitamente pela Agência Internacional de ISBN.

Com isso poupa-se o ordenado de quem na Agência Nacional de ISBN faz o tratamento de dados, sendo apenas necessário um supervisor que verifique se um qualquer editor preguiçoso não decidiu preencher como assunto do livro "Atirei o pau ao gato atirei o pau ao gato atirei o pau ao gato [e assim por diante]". Os dados são processados automaticamente e criada uma base de dados bibliográfica sem necessidade de intervenção humana.

Esse software envia, igualmente todas as fichas aprovadas pelo supervisor para as agências internacionais de ISBN e outros organismos para os quais o envio seja necessário.

(Neste ponto devo dizer que estou quase certo que há apoios europeus que podem cobrir o investimento da criação deste software ou, pelo menos de uma boa parte do mesmo.)

Ligada a essa base de dados pode estar um site de consulta pública para acesso a informação sobre os títulos publicados recentemente. E em caso de necessidade de real rentabilização, podem vender-se os dados completos de cada título às livrarias online que assim pagam mas sempre menos do que ter, do seu lado, pessoal a introduzir os dados relativos a cada livro enviados pelas editoras nos mais diversos formatos e suportes. E sendo a fonte de informação a mesma, qualquer bom programador cria um batch de importação de ficheiros que cria a ficha de produto em qualquer livraria online.

Na verdade isto implica apenas a criação de um site que pode funcionar dentro do domínio da APEL logo não implicando custos adicionais para mais ninguém.  Em termos de programação deste software, conheço muitos programadores que precisam de trabalho e a realização de uma Base de dados dinâmica como esta é algo que se faz nunca gastando mais de 15.000 € (e mesmo este valor é provavelmente exagerado). Fora isso o aluguer de servidores principais e de um servidor de back-up não custará mais de 1000 €/mês, e também este valor me parece exagerado uma vez que apenas se armazenam dados de texto.

O que mais poderá precisar uma agência nacional?, de pagar uma avença a um contabilista (250 €/mês)?, de um único funcionário cuja função seja responder a dúvidas e supervisionar a informação introduzida (certamente que se consegue alguém que não aufira um ordenado enorme, aliás nem precisa de ser um funcionário especializado, basta alguma inteligência e proficiência e com isso até se garante que a atribuição de ISBNs durante o período da Feira do Livro de Lisboa não sofra atrasos!)? A minha imaginação não me consegue descobrir muitos mais custos a não ser que a APEL cobre  à Agência Nacional de ISBN a água, luz, net, telefone, secretária e cadeira por estar a usá-los dentro das suas instalações mas essa, no meu entender, bem poderia ser a contribuição da APEL. Ainda assim contemple-se um valor para imponderáveis na ordem dos 500 €/mês. Todo este investimento fica muito muito abaixo do valor global calculado em cima do número de ISBNs pedidos anualmente.

E poder-se-ia cobrar um valor de, por exemplo, 2 € por ISBN para os associados e 4 € por ISBN para os não associados (esquecendo a parvoíce dos descontos por quantidade) e, para cobrir os custos do arranque, bastaria que a inscrição no site para pedir automaticamente ISBN's em 2015 custasse uns 15 € por entidade solicitante (relembrando que cada chancela activa conta como entidade).

Isto para mim seria uma solução positiva e um mal menor, já a forma como a APEL apresenta a sua solução parece-me absurda e sobretudo muito injusta para pequenos e médios editores.

Sinceramente - e agora mais do que nunca - deixo em cima da mesa a questão sobre o estatuto de utilidade pública da APEL. Não me parece que esta Associação Profissional represente sequer um sector por inteiro e certamente não são as missões de representação em duas ou três feiras profissionais (em representação dos seus associados, porque os para os outros as condições são diferentes) que justificam por si o estatuto. Se alguma coisa havia que podia ser de utilidade pública era a atribuição dos ISBNs mas tratando-os agora a APEL como produto comercial e renunciando ao estatuto de utilidade pública ao fazer diferenciação entre sócios e não-sócios, o que resta? Mas isso é assunto para outras andanças

Faz muito mais sentido neste momento (até porque se pouparia na questão de aluguer de equipamentos informáticos, servidores, etc.) que seja a BNP a assumir a Agência de ISBN à semelhança do que acontece em vários países nomeadamente o Brasil. Em alternativa o Arquivo Nacional da Torre do Tombo serviria de forma igualmente perfeita e em ambos os casos de forma bem mais adequada.

11/18/2014

Comércio livreiro em Portugal. As livrarias independentes


No próximo dia 23 terá lugar o I ENCONTRO LIVREIRO DO PORTO E GRANDE PORTO, organizado de acordo com os os princípios e objectivos constantes na respectiva mensagem de convocação:

"O Encontro Livreiro do Porto e Grande Porto está em marcha e promete ser um feliz acontecimento. 

Para além do convívio e da boa onda que inevitavelmente vão pairar entre livreiros e gentes do livro, vamos ter cinema, dança, música, poesia, a partir das 15h.

Tragam as vossas palavras, a vossa energia e a vossa esperança inabalável no futuro.
Partilhem as vossas experiências e os vossos anseios. Desvendem-nos os vossos milagres de cada dia - como os que estão a acontecer em Óbidos, a Vila literária e as suas 7 livrarias encantadas.

Livreiros de todo o país, lembrem-se que logo após o corte do cordão umbilical entre o autor e o livro, são os livreiros os primeiros a acolhê-lo nas suas mãos e a afagar (lembrando o belíssimo poema que Eugénio de Andrade dedicou aos livros) "a sua cálida, terna, serena pele...). Só depois os livros seguem o seu caminho, procurando a "amorosa companhia" dos leitores."

Os muitos anos que levo de trabalho no sector do livro, e estudos recentes que desenvolvi ou nos quais participei, fundamentam a opinião, continuamente reforçada, relativamente à importância fulcral dos livreiros independentes para que toda a cadeia do livro, incluindo os grupos editoriais e livreiros de grande dimensão, cumpra a sua missão sociocultural com viabilidade económica e assegurando a pluralidade editorial e a diversidade cultural que lhe cumpre como indústria cultural de referência.

Daí entender que esta iniciativa, como todas as outras que se têm realizado no sentido de reforçar o relacionamento e de estabelecer entendimentos de cooperação "inter pares", justificam a maior divulgação e merecem o maior sucesso.

Nesse sentido, e porque considero que pode constituir um contributo sustentado para o debate que certamente ocorrerá e um suporte válido para as conclusões a obter, aqui deixo a ligação para o estudo Comércio livreiro em Portugal: Estado da arte na segunda década do século XX, desenvolvido pelo CIES/IUL no 1º semestre de 2014 por encomenda da APEL e no qual tive o privilégio de participar, como também para o post Encruzilhadas do mercado livreiro no qual abordo aspectos específicos do referido estudo.

Rui Beja

10/24/2014

A proverbial exposição alternativa


Nasceu como associação cultural em Itália no distante ano de 1982. O seu mentor, Alberto Casiraghi, cria anualmente centenas de pequenas plaquettes impressas em prensa de caracteres móveis manual.

As referidas plaquettes reproduzem geralmente aforismos ou poesias breves (se bem que tenham sido já publicados alguns textos mais longos) acompanhados de ilustrações geralmente originais de diversos artistas plásticos. As tiragens são muito reduzidas e os livros não se vendem no circuito comercial.

Os textos nascem habitualmente do encontro entre o editor e os autores. Sem qualquer tipo de estratégia que não a sua opinião pessoal, Alberto Casiraghi publicou centenas de autores desconhecidos mas também alguns dos maiores nomes da literatura moderna e contemporânea de todo o mundo. 

Na Biblioteca Nacional, inaugura-se hoje a exposição de perto de 1000 plaquettes entre as quais as de todos os autores de língua portuguesa publicados.

Em termos de terminologia de mercado pode dizer-se que as edições Pulcinoelefante são o exemplo acabado de specialty product na área do livro. Do ponto de vista do leitor, são uma delícia.  Não percam.

Para os curiosos fica uma reportagem vídeo e imagens de várias edições da Pulcinoelefante.

5/30/2014

América, América!


Acabei de ler recentemente Another Life de Michael Korda, uma leitura que tinha iniciado há muitos anos e interrompi para priorizar outras leituras.

Korda foi, para quem não saiba, editor chefe da Simon & Schuster durante largas dezenas de anos. Era-o ainda em 2000 quando publicou este livro. Mas é muito mais do que isso: Korda é também o autor de um romance best-seller (baseado na vida da sua tia, a actriz Merle Oberon), de biografias de grandes personalidades e mesmo de um livro de auto-ajuda que bateu vários recordes de vendas; como tal este é um editor/autor que conhece os dois lados da barricada.

Em Another Life, Korda escreve as suas memórias como só um bom editor pode fazer: apagando-se. As suas memórias são os retratos dos seus autores, dos seus colegas editores, dos gestores das editoras, das mudanças na organização das editoras e grupos editoriais e das evoluções do mercado.

Neste volume podem encontrar-se algumas das melhores anedotas (verídicas, na sua maior parte) sobre o meio editorial norte-americano mas também, num registo mais sério, a história da casa Simon & Schuster, uma das mais importantes dos Estados Unidos; considerações simples mas brilhantes na sua simplicidade sobre o trabalho editorial, as suas dificuldades e prazeres - considerações essas que me apeteceria transcrever linha por linha, palavra a palavra neste blogue não fosse o facto de que acabaria por transcrever largas dezenas de páginas; uma narração factual das transformações da indústria do livro nos EUA - sem ceder à tentação (ou impossibilitado de o fazer) de aplicar juízos valorativos (como o fez, por exemplo, André Schiffrin no seu O negócio dos livros); e uma descrição detalhada do funcionamento do mundo editorial norte-americano desde as funções mais básicas (Korda entrou no mundo da edição primeiro como leitor e posteriormente como assistente editorial, vulgo servo) às estratégias de gestão e políticas estruturais.

Não vou entrar em grandes detalhes: este é um livro muito importante para quem trabalha na área do livro seja para editores, autores ou livreiros, comerciais ou quaisquer outros, mas é também uma obra essencial para perceber o mundo de diferenças que existe na edição de livros nos EUA e a que se faz por cá.

A importância do "editing" de todos os livros publicados, por mais ou menos literários que sejam, chocaria a maior parte dos autores portugueses que se escandalizam quando o editor sugere trocar uma vírgula ou cortar uma frase. E, verdade seja dita, despoja as obras de credibilidade artística. Por outro lado, o livro explica-nos perfeitamente o porquê da lógica ecléctica e da falta de identidade das editoras americanas cujos catálogos podem e geralmente misturam obras literárias com auto-ajuda, biografias de vedetas ou importantes ensaios sócio-políticos com livros de dieta ou espiritualidade new-age, etc. Korda que reflecte, até no ecletismo da sua produção literária, o meio em que trabalha, acaba de forma indirecta por nos explicar que o público norte-americano é muito diferente do europeu - até do britânico (e como!).

O curioso, e permitam-me agora que me afaste do livro de Michael Korda (sem nunca o perder de vista), é que nós por cá, com séculos de uma indústria do livro a mais do que os norte-americanos, olhamos para eles como uma bitola do que o futuro nos reserva.

Deveria bastar-nos o facto de os norte-americanos terem números fiáveis sobre o seu mercado para percebermos que as diferenças são inultrapassáveis. Mesmo nos mercados mais organizados a nível europeu, os editores e os bons gestores de editoras sabem o valor relativo dos números e a sua imprecisão no que toca à nossa indústria em particular. Não vou referir a crónica ausência de números fiáveis em Portugal pois essa deve-se a motivos muito diferentes que, em parte, já foram abordados nas primeiras entradas deste blogue.

É, chegado a este ponto, que vejo os riscos tremendos que corremos ao seguir modelos que foram pensados para públicos com uma realidade socio-cultural diferente da nossa. Lembra-me o calor horroroso que os alunos da minha geração sentiam em várias escolas modelo construídas em Portugal sobre modelos arquitectónicos escandinavos concebidos para aproveitar as poucas horas de sol desses países. E no entanto esses modelos arquitectónicos tinham sido importados porque faziam parte de um dos melhores sistemas educativos do mundo - curiosamente nunca se aproveitaram as boas lições das filosofias de ensino escandinavo que defendiam o ensino "criativo" ao invés do "expositivo".

Claro que enquanto as estratégias das empresas da área do livro forem geridas por gestores e directores gerais formados com cursos também eles "gerais" de gestão (e não seguindo a recomendação da UNESCO para a criação de gestores com formação específica para as indústrias culturais) continuaremos a seguir modelos norte-americanos e a cair em erros de "casting" tremendos porque os gestores para gerir têm de ter números e os números que existem são, das duas uma, números americanos que reflectem outra realidade e outro público com outros hábitos de compra, ou números europeus que não fazem sentido nem apresentam comportamentos lógicos (e portanto previsíveis) do público precisamente porque os consumidores de produtos culturais são por natureza idiossincráticos, imprevisíveis e erráticos e o segredo, para os conhecer, é estar entre eles, é ser um deles.

Mesmo em relação ao público americano Korda admite essa realidade mas não se debruça sobre ela (provavelmente, repito, porque não lhe é possível fazê-lo dado a sua posição dentro da indústria do livro), mesmo ele admite a incerteza dos números e a imprevisibilidade dos sucessos literários. Acima de tudo, Korda admite a grande distância que vai de quem trabalha nas editoras para o leitor e apesar de tocar nesse aspecto não o problematiza, dando-o como adquirido. Nós por cá já ultrapassamos essa batalha que decorreu com o advento da literatura popular de finais do século XVIII, meados do século XIX - uma época em que praticamente não existiam sequer gráficas no território dos actuais EUA, quanto mais editoras... É preciso perceber isto, é vital termos perspectiva histórica da indústria do livro para não continuarmos a perpetuar erros.

Como em todas as indústrias com muitos anos de existência, é fundamental que quem dita as suas estratégias de crescimento ou mesmo de manutenção, saiba o que aconteceu no mercado há 50, 100, 200 anos. Esse sim, é o conhecimento que permite tornar o negócio, as suas mutações e a especificidade do seu público, categorizáveis e mais previsíveis.

2/21/2014

Nubico – O serviço de subscrição de e-books espanhol


Acaba de ser lançada em Espanha uma nova plataforma de subscrição de e-books, a Nubico, acompanhando assim a onda deste tipo de serviços que tem surgido no último ano (a Oyster e a Entitle são alguns exemplos).

A Nubico resulta da aliança entre dois gigantes da edição e das telecomunicações, o Circulo de Lectores (Planeta e Bertelsmann), e a Telefonica, respetivamente. O Circulo de Lectores já tinha o seu próprio serviço de subscrição, a Booquo, em que por € 9,99 por mês, os leitores tinham acesso ilimitado a e-books, bem como a conteúdo extra, contacto com autores, numa experiência de comunidade como um clube do livro, como é, aliás, esperado de um clube do livro.

É cada vez mais significativo o crescimento destas plataformas no mercado editorial e livreiro, embora os e-books na Europa continuem à taxa mais alta (exceto em França e no Luxemburgo que cortaram na taxa à revelia da UE), o que faz com que muitas editoras, especialmente em Portugal, com o IVA a 23%, se mostrem relutantes em entrar na onda. Só os grandes grupos terão capacidade para arriscar. A equiparação dos e-books aos livros impressos é uma discussão em curso e que requer ainda maior reflexão, pois poder-se-á comparar de facto um livro eletrónico, que oferece cada vez mais conteúdos multimédia além do conteúdo literário, a um livro encadernado?

Contudo, não se pode ignorar a expansão das plataformas de subscrição. Demorará muito até que em Portugal comecem a surgir serviços semelhantes? Os portugueses são, sem sombra de dúvida, adeptos das novas tecnologias e, portanto, a possibilidade de tal vir a acontecer a médio prazo suscitará, com certeza, um debate interessante sobre a sua real viabilidade para o nosso mercado.

Catarina Araújo

2/18/2014

5.º Encontro Livreiro


É já no final de Março, mais propriamente a 30 de Março, o último domingo desse mês, que se realiza do já habitual Encontro Livreiro.

Tal como das vezes anteriores, estamos todos convidados a nos deslocarmos à Livraria Culsete, em Setúbal, para discutir o mundo do livro, tanto na perspectiva dos livreiros como na de todos os interessados pelo livro.

 Para mais informações sigam o blogue do movimento Encontro Livreiro.

1/06/2014

A crítica não vende


1. Há uns tempos, um jovem crítico já não tão jovem mas que é crítico desde jovem disse uma daquelas frases engraçadas que os jovens críticos dizem e que têm graça enquanto são jovens mas já não tanta quando são ex-jovens: «A crítica não vende.» Se tivesse um pim! a seguir poderia ser uma almadanegreirada, e bem gira, dita assim parece lapalissada mas nem isso é: é nada. E, embora o crítico Pedro Mexia seja uma pessoa inteligente q.b. e etc., e também poeta e ficcionista e dramaturgo com obra publicada, a frase é penosa. Passa por sensata, por boutade, por evidência, mas não é: é infeliz, e tanto mais infeliz quando vem de uma figura tão mediática como o Pedro. Ah, o que eu sonhei vir um dia acusar alguém deste terrível crime, o mediatismo – eu, que durante anos a fio fui acusado e penalizado «dans les salons» por padecer dele. O Pedro toca actualmente tanto quanto sei – da forma mais importante, a paga – os três navios almirantes da indústria mediática, TVI, Expresso, TSF. Esta frase disse-a ele no simpático mas menos escutado Canal Q, mas suspeito que a terá repetido alhures.

Fiquei banzado. «A crítica não vende»? Bem sei que a expressão pode ser tida como mero exagero. Uma outra forma de dizer «vende pouco». Mas entre «pouco» e «nada» vai um abismo. O abismo do desinvestimento, da desresponsabilização, do encolher de ombros. Se o sentido fosse (não era) o de «vender pouco», o mesmo poderá ser dito da colocação do livro em livrarias alternativas ao Continente, de entrevistas na rádio, de anúncios no JL, etc.

Ora a pergunta é: então o que vende será… o leitor não saber sequer que o livro existe? Não haver crítica ou qualquer outro tipo de recepção fará com que os leitores potenciais cheguem mais depressa (mais depressa e em força) ao livro?

2. Há anos, um editor disse-me com ar petulante: «Não acredito em lançamentos.» Hoje uso amiúde essa frase de Rui Pena Pires, da Celta, como exemplo de boutade errada. Uma pessoa sensata não acredita em lançamentos como única forma de atrair leitores. Mas…não lançar será melhor do que lançar? Pessoalmente, também eu não acredito em lançamentos – quando o investimento é superior ao benefício. Uma apresentação no Lux sem imprensa é dinheiro deitado ao Tejo. Mas, por exemplo, no caso da poesia ou das edições de autor, o lançamento é quase a única oportunidade de congregar leitores, além de uma forma barata de explicar aos amigos que eles é que devem comprar, não o autor e/ou editor a oferecer!

3. no passado 27 de Dezembro o crítico Eduardo Pitta postou no Facebook a recensão que fez na revista Sábado a um livro de um poeta que desconhecia e agora, graças ao post, já não desconheço. De Porfírio Silva diz Pitta que é «o melhor livro de poesia» que leu em 2013. Logo começou uma mini-polémica, e bem simpática, acerca da escolha, se era boa, se era má, então e o Herberto, etc., e assim por diante. O livro foi, literalmente, colocado no mapa. Algumas pessoas disseram «vou comprar». Os cínicos dirão: «Sim, agora prometem, depois esquecem.» Mas isso acontece com tudo, inclusive os bilhetes que fiquei de arranjar aos meus filhos para o Wrestling no ex-Pavilhão ex-público ex-Atlântico! O facto é: graças à crítica de Eduardo Pitta – e à sua reprodução no Facebook, aqui agora com bonita polémica, coisa de que a cofínica Sábado está isenta – um livro que literalmente provavelmente quase de certezamente ia ser aniquilado no «mercado» tem agora algumas chances de sobreviver. E nasceu um poeta. Parece ser um senhor já de meia-idade mas, para «le petit monde littéraire», nasceu.

Se isto não é vender, onde é que está a vossa venda, senhores?

Ah, já sei: nos olhos, cabeça a minha. E na má consciência, extintos que estão quase, mais ainda que os dinossáurios, os grilos falantes.

Rui Zink