1/06/2014

A crítica não vende


1. Há uns tempos, um jovem crítico já não tão jovem mas que é crítico desde jovem disse uma daquelas frases engraçadas que os jovens críticos dizem e que têm graça enquanto são jovens mas já não tanta quando são ex-jovens: «A crítica não vende.» Se tivesse um pim! a seguir poderia ser uma almadanegreirada, e bem gira, dita assim parece lapalissada mas nem isso é: é nada. E, embora o crítico Pedro Mexia seja uma pessoa inteligente q.b. e etc., e também poeta e ficcionista e dramaturgo com obra publicada, a frase é penosa. Passa por sensata, por boutade, por evidência, mas não é: é infeliz, e tanto mais infeliz quando vem de uma figura tão mediática como o Pedro. Ah, o que eu sonhei vir um dia acusar alguém deste terrível crime, o mediatismo – eu, que durante anos a fio fui acusado e penalizado «dans les salons» por padecer dele. O Pedro toca actualmente tanto quanto sei – da forma mais importante, a paga – os três navios almirantes da indústria mediática, TVI, Expresso, TSF. Esta frase disse-a ele no simpático mas menos escutado Canal Q, mas suspeito que a terá repetido alhures.

Fiquei banzado. «A crítica não vende»? Bem sei que a expressão pode ser tida como mero exagero. Uma outra forma de dizer «vende pouco». Mas entre «pouco» e «nada» vai um abismo. O abismo do desinvestimento, da desresponsabilização, do encolher de ombros. Se o sentido fosse (não era) o de «vender pouco», o mesmo poderá ser dito da colocação do livro em livrarias alternativas ao Continente, de entrevistas na rádio, de anúncios no JL, etc.

Ora a pergunta é: então o que vende será… o leitor não saber sequer que o livro existe? Não haver crítica ou qualquer outro tipo de recepção fará com que os leitores potenciais cheguem mais depressa (mais depressa e em força) ao livro?

2. Há anos, um editor disse-me com ar petulante: «Não acredito em lançamentos.» Hoje uso amiúde essa frase de Rui Pena Pires, da Celta, como exemplo de boutade errada. Uma pessoa sensata não acredita em lançamentos como única forma de atrair leitores. Mas…não lançar será melhor do que lançar? Pessoalmente, também eu não acredito em lançamentos – quando o investimento é superior ao benefício. Uma apresentação no Lux sem imprensa é dinheiro deitado ao Tejo. Mas, por exemplo, no caso da poesia ou das edições de autor, o lançamento é quase a única oportunidade de congregar leitores, além de uma forma barata de explicar aos amigos que eles é que devem comprar, não o autor e/ou editor a oferecer!

3. no passado 27 de Dezembro o crítico Eduardo Pitta postou no Facebook a recensão que fez na revista Sábado a um livro de um poeta que desconhecia e agora, graças ao post, já não desconheço. De Porfírio Silva diz Pitta que é «o melhor livro de poesia» que leu em 2013. Logo começou uma mini-polémica, e bem simpática, acerca da escolha, se era boa, se era má, então e o Herberto, etc., e assim por diante. O livro foi, literalmente, colocado no mapa. Algumas pessoas disseram «vou comprar». Os cínicos dirão: «Sim, agora prometem, depois esquecem.» Mas isso acontece com tudo, inclusive os bilhetes que fiquei de arranjar aos meus filhos para o Wrestling no ex-Pavilhão ex-público ex-Atlântico! O facto é: graças à crítica de Eduardo Pitta – e à sua reprodução no Facebook, aqui agora com bonita polémica, coisa de que a cofínica Sábado está isenta – um livro que literalmente provavelmente quase de certezamente ia ser aniquilado no «mercado» tem agora algumas chances de sobreviver. E nasceu um poeta. Parece ser um senhor já de meia-idade mas, para «le petit monde littéraire», nasceu.

Se isto não é vender, onde é que está a vossa venda, senhores?

Ah, já sei: nos olhos, cabeça a minha. E na má consciência, extintos que estão quase, mais ainda que os dinossáurios, os grilos falantes.

Rui Zink