12/20/2014

A grande transformação das livrarias


O relatório não é novo. Data de Outubro de 2013. Mas só há pouco chegou ao meu conhecimento, por via de relato da conferência "A livraria como rede social sem algoritmos: políticas públicas de apoio", proferida por Joaquín Rodriguez e Manuel Gil, no passado dia 1 de Dezembro, na Feira Internacional do Livro de Guadalajara. Conforme resumem os conferencistas:
La tesis principal de la exposición era la de señalar la situación de deterioro generalizado en que se encuentran las librerías en el mundo, por lo que compartimos los datos de situación de las librerías en Europa (y específicamente de España), y las políticas públicas de apoyo que se están poniendo en marcha en sus respectivos ámbitos. 
El diagnóstico del que partíamos se basaba en la consideración de que mucho antes de que estallara la crisis que ha asolado el mundo del libro en España ya existían indicadores negativos de la situación que permitían prever cómo la cadena de valor predigital, la cadena de valor analógica tradicional, comenzaba a desintegrarse. 
La idea de desarrollar políticas públicas de apoyo a la librería (mediante el desarrollo de sellos de calidad, beneficios fiscales y apoyo financiero directo, además de la defensa contra las iniciativas multinacionales que amenazan con convertirse en monopolios de hecho), parte de la convicción de la necesidad de garantizar el acceso a los lectores a la enorme riqueza bibliográfica de nuestro país, de preservar la diversidad de la oferta cultural mediante el mantenimiento de una red que la comercialice y distribuya, de avanzar en un rediseño y reingeniería de estos espacios para encontrar nuevos mix, nuevos modelos de negocio que permitan reflotarlas, adaptarlas a una nueva cadena de valor en la que tienen que encontrar su sitio y su función. 
Una idea que propusimos fue la de poner en marcha un Pacto Nacional por el Libro que incluya no sólo a los agentes de la cadena de valor, sino también a lectores y bibliotecarios, todo ello auspiciado por unas administraciones públicas sensibles con el devenir de una industria en serias dificultades en el momento actual, y con unas expectativas sombrías de futuro. 
A buen seguro entendemos posible abrir un debate y una reflexión colectiva sobre el asunto. Consideramos que promover una cierta complicidad con la situación de las librerías y los libreros forma parte de una actitud de renovación y de protección del sector, algo que está entre las preocupaciones más acuciantes del Cerlalc por impulsar políticas públicas de apoyo a la librería en Iberoamérica, algunas de cuyas líneas ya están definidas en la Nueva agenda del Libro y la Lecturay  que serán desarrolladas en un plan específico en los próximos meses
E nós por cá? Como vamos de políticas públicas? Porque é que não passamos das críticas ao "sistema" para o reforço do "associativismo editorial e livreiro"? Por que não se avança para um tipo de "pacto" conforme foi proposto em 15 de Setembro, na apresentação do estudo sobre o Comércio Livreiro em Portugal?

Se não passamos das palavras aos actos...

Rui Beja
 

12/13/2014

As soluções positivas e as soluções negativas: a APEL e a Agência Nacional de ISBN

Recentemente a APEL (Associação Portuguesa de Editores e Livreiros) emitiu um comunicado em que informa que, devido ao retirar do apoio da secretaria de Estado da Cultura que "nos últimos anos, tem subsidiado uma parte dos custos operacionais da agência e tem permitido manter este serviço público gratuito", não tem outra solução que não seja cobrar o serviço e avança com a proposta que todos poderão consultar abaixo:


Nesta proposta há vários pontos que me intrigam. O primeiro é o claro abuso relativamente aos pequenos e médios editores. Se um editor associado da APEL que, digamos, pede 50 ISBNs por ano vai pagar um aumento de 10% na quota de associado, como poderá sentir-se face a um grande editor que pede mais de 500 ou 1000 ISBNs e vê a sua quota aumentada nos mesmos 10%. Esta é uma solução negativa e poderia ser resolvida por um aumento percentual da quota relativamente a chancelas activas, o que permitiria de imediato distinguir os pequenos dos grandes editores.

Para os não-sócios a tabela de preços está patente e considerando o número global de livros publicados anualmente em Portugal, quer os que encontramos nas livrarias quer os que raramente lá chegam como as publicações Universitárias, de organismos públicos, várias publicações periódicas, separatas e folhetos de alguma dimensão, e se calcularmos que cada ISBN "custa" em média (deduzo-o pela tabela) 10 €, estamos a falar de valores muito significativos (claramente acima dos 400.000 €).

A ideia do desconto por quantidade de ISBNs pedidos é também interessante, estamos a falar de aplicação de uma política comercial dentro de uma agência nacional! (Algo como dizer que quem tem muitos rendimentos pode pagar percentualmente menos impostos.) E mais uma vez e para usar uma expressão cunhada em discurso culto e oficial pelo nosso Primeiro-Ministro, "quem se lixa é o mexilhão". O pequeno editor que paga mais por pedir menos ISBNs como se um ISBN fosse um produto lucrativo (que parece efectivamente ser, para alguém).

Acresce a isso a estranha questão do que é, fora do âmbito dos associados da APEL, um editor profissional ou um editor não-profissional. Pano para muitas mangas de discussão.

Permitam-me então apresentar uma ideia um bocadito mais interessante, creio eu.

Imagine-se que com metade do valor global que se espera arrecadar para cobrir parte dos custos operacionais, se investe no desenvolvimento de uma aplicação que funciona a partir do site da internet da APEL - como já é o caso.

Quem quer que queira pedir um ISBN tem de se inscrever nesse site dando os dados da sua empresa ou os seus pessoais em caso de edições de autor.

Digamos que para obter o ISBN tem de preencher um X número de dados informativos obrigatórios sobre o livro em causa (o que fará com que, pela primeira vez na história do ISBN em Portugal, haja informação efectiva sobre os livros permitindo a elaboração de índices e garantindo dados fiáveis de mercado sobre a tipificação dos livros e publicações já que antes raro era o editor que preenchia a ficha de informação adicional). E claro que o gerar do ISBN é feito automaticamente através do software disponibilizado gratuitamente pela Agência Internacional de ISBN.

Com isso poupa-se o ordenado de quem na Agência Nacional de ISBN faz o tratamento de dados, sendo apenas necessário um supervisor que verifique se um qualquer editor preguiçoso não decidiu preencher como assunto do livro "Atirei o pau ao gato atirei o pau ao gato atirei o pau ao gato [e assim por diante]". Os dados são processados automaticamente e criada uma base de dados bibliográfica sem necessidade de intervenção humana.

Esse software envia, igualmente todas as fichas aprovadas pelo supervisor para as agências internacionais de ISBN e outros organismos para os quais o envio seja necessário.

(Neste ponto devo dizer que estou quase certo que há apoios europeus que podem cobrir o investimento da criação deste software ou, pelo menos de uma boa parte do mesmo.)

Ligada a essa base de dados pode estar um site de consulta pública para acesso a informação sobre os títulos publicados recentemente. E em caso de necessidade de real rentabilização, podem vender-se os dados completos de cada título às livrarias online que assim pagam mas sempre menos do que ter, do seu lado, pessoal a introduzir os dados relativos a cada livro enviados pelas editoras nos mais diversos formatos e suportes. E sendo a fonte de informação a mesma, qualquer bom programador cria um batch de importação de ficheiros que cria a ficha de produto em qualquer livraria online.

Na verdade isto implica apenas a criação de um site que pode funcionar dentro do domínio da APEL logo não implicando custos adicionais para mais ninguém.  Em termos de programação deste software, conheço muitos programadores que precisam de trabalho e a realização de uma Base de dados dinâmica como esta é algo que se faz nunca gastando mais de 15.000 € (e mesmo este valor é provavelmente exagerado). Fora isso o aluguer de servidores principais e de um servidor de back-up não custará mais de 1000 €/mês, e também este valor me parece exagerado uma vez que apenas se armazenam dados de texto.

O que mais poderá precisar uma agência nacional?, de pagar uma avença a um contabilista (250 €/mês)?, de um único funcionário cuja função seja responder a dúvidas e supervisionar a informação introduzida (certamente que se consegue alguém que não aufira um ordenado enorme, aliás nem precisa de ser um funcionário especializado, basta alguma inteligência e proficiência e com isso até se garante que a atribuição de ISBNs durante o período da Feira do Livro de Lisboa não sofra atrasos!)? A minha imaginação não me consegue descobrir muitos mais custos a não ser que a APEL cobre  à Agência Nacional de ISBN a água, luz, net, telefone, secretária e cadeira por estar a usá-los dentro das suas instalações mas essa, no meu entender, bem poderia ser a contribuição da APEL. Ainda assim contemple-se um valor para imponderáveis na ordem dos 500 €/mês. Todo este investimento fica muito muito abaixo do valor global calculado em cima do número de ISBNs pedidos anualmente.

E poder-se-ia cobrar um valor de, por exemplo, 2 € por ISBN para os associados e 4 € por ISBN para os não associados (esquecendo a parvoíce dos descontos por quantidade) e, para cobrir os custos do arranque, bastaria que a inscrição no site para pedir automaticamente ISBN's em 2015 custasse uns 15 € por entidade solicitante (relembrando que cada chancela activa conta como entidade).

Isto para mim seria uma solução positiva e um mal menor, já a forma como a APEL apresenta a sua solução parece-me absurda e sobretudo muito injusta para pequenos e médios editores.

Sinceramente - e agora mais do que nunca - deixo em cima da mesa a questão sobre o estatuto de utilidade pública da APEL. Não me parece que esta Associação Profissional represente sequer um sector por inteiro e certamente não são as missões de representação em duas ou três feiras profissionais (em representação dos seus associados, porque os para os outros as condições são diferentes) que justificam por si o estatuto. Se alguma coisa havia que podia ser de utilidade pública era a atribuição dos ISBNs mas tratando-os agora a APEL como produto comercial e renunciando ao estatuto de utilidade pública ao fazer diferenciação entre sócios e não-sócios, o que resta? Mas isso é assunto para outras andanças

Faz muito mais sentido neste momento (até porque se pouparia na questão de aluguer de equipamentos informáticos, servidores, etc.) que seja a BNP a assumir a Agência de ISBN à semelhança do que acontece em vários países nomeadamente o Brasil. Em alternativa o Arquivo Nacional da Torre do Tombo serviria de forma igualmente perfeita e em ambos os casos de forma bem mais adequada.