12/15/2015

O Paraíso Segundo Lars D., João Tordo

 
O PARAÍSO SEGUNDO LARS D.
João Tordo

Companhia das Letras/Penguin Random House, 15,90€

Editora: Clara Capitão; 
Revisão: Ana Leonor Branco e Cristina Correia

Capa: Maria João Lima (Panóplia) com fotografia de autor de Vitorino Coragem

Produção: Printer

Desde a saída de Valter Hugo Mãe que a Companhia das Letras (antiga Objectiva) procurava um escritor português que servisse de rosto para o seu catálogo, tendo encontrado em João Tordo aquilo de que necessitava. Transitado da Dom Quixote/LeYa, onde surgiu sob a tutela de Maria do Rosário Pedreira, João Tordo mudou de casa numa altura em que a sua escrita também mudava de registo. Mas deixarei isso para quem mais entende da matéria. O principal a reter é a importância que a Companhia das Letras atribui a esta faceta do seu catálogo, e como a mesma acaba por marcar o posicionamento que a editora quer ter em Portugal.

Em termos de risco, João Tordo é um ativo seguro e gerador de valor. Autor premiado com o José Saramago e com quase uma dezena de livros editados, os últimos dos quais com bons resultados de vendas e de imprensa, Tordo conta já com uma base alargada de leitores regulares e espaço garantido nos escaparates de venda.

Em termos de conteúdos, este livro surge na sequência do anterior (O Luto de Elias Grou), algo revelado não só pelo autor logo no início do livro, mas também em termos de comunicação, que o enquadra como segundo numa trilogia (de livros estanques dentro do mesmo universo, e não de livros sequenciais). O discurso é de leitura rápida mas profunda, com o discurso direto a controlar a velocidade da ação. Em termos editoriais observa-se um cuidado na revisão, não se notando traços profundos de editing.

Uma das características mais marcantes deste livro é a necessidade que a edição tem de «dar corpo» ao livro. Com uma paginação bastante arejada, corpo de texto e entrelinha de dimensão elevada, o livro procura disfarçar ser um pequeno livro (em termos de dimensão) e apresenta-se como grande. Mais propriamente, cresce até mais de 200 páginas para conseguir obter esse efeito.

Em jeito de opinião, julgo que seria possível obter o mesmo ou melhor efeito recorrendo a um papel com maior densidade/gramagem ou índice de mão, aumentando com isso o valor percebido do livro e melhorando um dos raros problemas encontrados nesta edição: a baixa opacidade nas páginas de cortina a negro e nas fotografias. Um livro com a mesma lombada mas com 160 páginas e bons materiais seria uma opção mais interessante (e, porventura, não mais cara...).

Em termos de design o livro apresenta-se com muita elegância e boa leitura, com toques de design de miolo não raros, mas pouco habituais. Como detalhe adicional, saliento a belíssima ideia de colocar um marcador destacável por picote «enforcado» no plano (na sequência da badana).

Para além do marcador, o que mais se destaca é a fonte utilizada no plano de capa: para a lombada, escolheu-se uma fonte de belíssima leitura, recorrendo-se a uma typewriter alargada na capa. Na contracapa surgem sem grande diferenciação uma sinopse muito bem escrita seguida de um excerto da obra. Se ambos os conteúdos são bem escolhidos, ressalva-se a diferença de fonte que se destaca excessivamente. Na minha opinião seria possível anular a última frase da sinopse para aumentar o corpo e igualar os registos, dando alguma indicação de que se trata em cada um dos textos. A biografia assenta na figura literária do autor, mas talvez fosse de referenciar outros livros de João Tordo (não publicados no Grupo), e a foto utilizada é muito interessante, mas a impressão no perfil de cor em questão escurece-a excessivamente.

Acima de tudo, nota-se um cuidado muito elevado com o autor. Numa estratégia que não se percebe ser de coleção (João Tordo) ou somente da trilogia, vemos que tudo se desenvolve em torno da imagem literária do autor, num cuidado de elevação do seu perfil literário, com anulação de elementos excessivamente comerciais. Isso denota respeito por João Tordo e segurança na sua plataforma de fãs e vendas.

O preço parece indicado para o livro em questão e a estratégia de comunicação (por relações públicas e imprensa em torno de autor) é a que se coaduna com todo o restante marketing estruturado para esta obra.

Em resumo, uma obra de continuação da bibliografia de João Tordo, onde está patente uma estratégia de elevação do autor à categoria literária máxima em detrimento de uma estratégia comercial agressiva, bem cuidada e trabalhada ao nível editorial, mas com detalhes menos conseguidos ao nível da produção. Um livro pensado para fidelizar os leitores atuais de João Tordo e fazer crescer o autor dentro da sua própria plataforma. Dada a idade e o potencial do autor, parece-me ser uma estratégia acertada se bem que arriscada no competitivo mercado atual.

Editorialmente recomendado, claro.

Nuno Seabra Lopes, editor e consultor editorial

12/03/2015

Cosac Naify

 

Para quem não saiba, a editora brasileira Cosac Naify anunciou o seu encerramento.

Caso também não saibam, a Cosac Naify era, provavelmente, uma das mais extraordinárias editoras do mundo, e certamente a mais extraordinária em língua portuguesa, porque não só apostava em nichos culturais de difícil retorno, como arte, design, cinema, arquitectura ou fotografia (para além da literatura, onde se destacam a existência de autores portugueses como Valter Hugo Mãe) mas, acima de tudo, fazia-o com uma qualidade gráfica e de produção difíceis de igualar.

Ou seja, eram um dos meus heróis.

Charles Cosac, o seu fundador e director, justificou o fecho com a incapacidade de poder continuar a publicar como gosta, ou seja, com qualidade. Que não está para reciclar livros em domínio público (como tinha já começado a fazer) para tentar pagar contas ou passar a publicar livros mais comerciais.

Ou seja, é ainda o meu herói.
(pena tenho é que a realidade não seja aos quadradinhos)

11/13/2015

Cidade em Chamas, Garth Risk Hallberg

CIDADE EM CHAMAS 
Garth Risk Hallberg

Teorema/ LeYa, 29,90€

Editora: Carmen Serrano
Tradutora: Tânia Ganho 
Revisão: Rita Almeida Simões

Capa: Rui Garrido 

Produção Multitipo


Este será, provavelmente, uma das principais apostas de tradução do Grupo LeYa para o Natal de 2015. Trata-se de um livro fenómeno nos EUA e que traz com ele uma expectativa rara para um autor sem qualquer plataforma em Portugal, acarretando um elevado risco comercial para quem o publica, em especial pelo muito provável avanço que terá sido pago para a obtenção dos direitos de publicação em Portugal. O risco observa-se, também, pelo número de páginas da obra (1000!) em texto corrido, e pelo tema, a Nova Iorque do final dos anos 1970, marcada pela degradação urbana e pela grande disparidade económica existente dentro desta megalópole (hoje em dia é mais simples, só os ricos lá vivem...).

Em termos de conteúdos, observa-se um forte trabalho de editing sobre a obra original (inglês dos EUA) de forma a tornar este livro um livro “de leitura” e não uma obra literária no sentido europeu do termo, o que poderá revelar que o original se encontraria “aborrecido” em algumas partes e a necessitar de trabalho de dinâmica – a crítica literária nacional que se dedique a essa parte. Vemos capítulos curtos, tentativa de criar dinâmica de ação, linguagem direta e recurso a discurso direto para fazer avançar o enredo, várias personagens que se intersecionam, para manter uma leitura fluida e rápida. Um livro que, apesar do tamanho, deverá poder ser lido pela generalidade do público (leitor) com agrado, pelo menos no que ao trabalho de editing diz respeito.

Não tendo lido a obra na sua grande maioria, nem tido acesso ao original em língua inglesa, posso desde já indicar que a tradução parece comprovar a elevada qualidade a que a Tânia Ganho, tradutora já de créditos firmados, nos tem habituado. De uma forma sucinta, e sem querer esquecer o trabalho que a editora e a revisora possam ter tido neste resultado  ̶  tanto que os “Interlúdios” foram traduzidos por outras duas pessoas, entre elas a revisora  ̶, o texto mantém uma experiência bastante agradável de leitura. Apesar de cada leitor preferir diferentes estilos de tradução  ̶  mais próximos da língua de partida ou da língua de chegada  ̶  este texto parece manter algum equilíbrio, aproximando-se mais da língua de partida (marcas ligeiras de literalidade) sem, no entanto, causar estranhezas ao leitor português. Acima de tudo, mantém o discurso direto com a fluidez necessária, e não se observam complexificações e distorções do discurso mantendo algumas características de leitura próximas do original. Para a tradutora e para a editora e a revisora, os nossos sinceros parabéns, em especial devido à complexidade que a obra parece acarretar, com elevada variabilidade de discursos.

Uma nota menos positiva para o papel utilizado, onde o aparente recurso a um Munken Pure creme 80 (não tenho a certeza, indico-o só por observação direta), muito provavelmente por obrigatoriedade de grupo e compra em escala, acaba por trazer vários problemas de opacidade e perda dos fundos, em particular nos já referidos “Interlúdios” que vão surgindo ao longo do livro. Da mesma forma o recurso à fonte manuscrita (que deverá vir do original) poderia ter sido trabalhado para iludir o efeito, não usando preto a 100%. O layout interno e a paginação são bastante boas e geralmente cuidadas, em especial tendo em conta a relativa complexidade de fontes que vão surgindo no livro. A produção não tem qualquer problema a apontar. Bem impresso e acabado, sem erros visíveis.

O plano de capa parece ser o espaço para maior diversidade de opiniões, pela complexidade da imagem e cores usadas e, em particular, pelas opções de comunicação. Uma abordagem arriscada que, no meu entender, resultou graficamente bastante bem (opiniões divergem, no entanto), tendo, ainda assim, problemas de alguma gravidade. Em termos de design, a referencialidade do livro e do tema estão presentes, assim como a diferenciação gráfica no ponto de venda, um título capaz de aguentar thumbnails (apesar de causar dúvidas iniciais de leitura, comprova-se eficaz na leitura à distância) e bastante bem conseguido no conjunto da capa, com destaque muito positivo também para a lombada.

A nota crítica surge no entanto para o descuido nos elementos de leitura e comunicação. O nome do autor quase não tem visibilidade (apesar de ser um novo autor, recordemos que este é o principal motivo de atração para a crítica e, logo, para os leitores fortes que irão procurar o livro. Afinal de contas um livro de 30€ e 1000 páginas não é para compra de impulso...). Da mesma forma, existe um descuido elevado na colocação dos logos que estão quase anulados (quer pelo tamanho diminuto do símbolo gráfico na lombada, quer pela quase total falta de leitura da marca na capa). Opção errada também no recurso a uma fonte excessivamente bold na contracapa, que prejudica a leitura a olhos mais cansados. O autocolante de endorsement da capa também surge de forma excessivamente forte, com uma linguagem gráfica que destoa (na imagem acima essa questão já se encontra resolvida).

A biografia de segunda badana é sucinta, mas calculo que para um autor destes não seria possível fazer melhor e os endorsements de primeira badana são, na sua maioria, inúteis no formato em que estão. Referências não significativas de pessoas desconhecidas para o mercado português, demasiado compridas e que se confundem em propósito com o texto de contracapa ou a crítica futura. Ou seja, não conseguem transmitir claramente uma mensagem de qualidade. A título de curiosidade, no site da LeYa (claramente o melhor dos sites em termos de conteúdos de comunicação, com cuidado na elaboração das sinopses e biografias, por exemplo) os mesmos endorsements aparecem sucintos e bem mais trabalhados, anulando informação desnecessária e funcionando corretamente para o mercado português.
De uma forma global, esta é uma capa excessivamente marcada pelo design e menos pela comunicação/ edição.

O preço da obra parece-me elevado para o livro em questão e um fator claro de restrição das vendas, mas calculo que para uma obra com estas características deverá ser difícil fazer melhor. Recordo só que este é um livro que depende excessivamente da comunicação especializada e da visibilidade inicial no ponto de venda para começar a «rodar», tendo características de word of mouth muito difíceis de funcionar em Portugal (falta de empatia com o tema do livro e dimensão do texto face aos hábitos de leitura nacionais), podendo ser um livro mais comprado do que lido, o que revela um elevadíssimo risco comercial, mas o 2666 de Roberto Bolaño também tinha essas características e, no entanto, resultou.

Em resumo, uma obra recomendada para todos os leitores habituais, bem cuidada e editada, que merecia alguma atenção adicional ao plano de capa.


Nuno Seabra Lopes, editor e consultor editorial

Crítica Editorial

Desta feita o crítico sou eu.

Ou melhor, a partir desta data, e com uma periodicidade na pior das hipóteses quinzenal, farei uma coluna de crítica de livros do ponto de vista editorial. Nada de falar sobre autores e enredos, coisas do âmbito da crítica literária: eu, é mais livros.

Mas acima de tudo, criticar edição não é dizer que se sabe fazer melhor. Como editor percebo melhor do que ninguém as contingências da profissão e as dificuldades dos colegas (excesso de trabalho, hierarquia de relações com outros departamentos e autores, etc., etc.) que concorrem para que, por vezes, algumas coisas corram menos bem. Todos erram, eu também erro.

No entanto, editar é uma arte maior que merece a atenção de uma crítica especializada, e ao analisarmos o trabalho efectuado estamos a informar o público e a ajudar a criar critérios que definam o que é um bom trabalho editorial. Estamos, igualmente, a dignificar uma profissão que não merece ficar escondida por detrás do trabalho do autor.

Assim sendo, do editing à revisão, da tradução à ilustração, dos materiais à produção, passando pelo design e pela estratégia comercial e de promoção, tudo deverá ser alvo de um olhar atento.

Por fim, refira-se que uma crítica tem sempre algo de opinião e visão do próprio. Aquilo que eu observo como um defeito pode, por vezes, ser analisado de forma contrária e até comprovada com mais certeza, pelo que o contraditório é sempre interessante. Afinal, nada é mais científico do que a crítica, a economia e a meteorologia.

Espero que gostem.
Nuno Seabra Lopes

8/08/2015

Quem corre por gosto... merece ser rasteirado.



Um dos problemas das sociedades mediterrânicas modernas e cujas origens não cumpre aqui averiguar, está na carga negativa que damos ao trabalho, ao rigor e à disciplina. Com efeito e ao contrário das sociedades protestantes, atribuímos ao trabalho uma carga de castigo que está patente, por exemplo, quando se vê uma pessoa a falar com uma criança "E já andas na escola? Coitadinho...". Bem como o habitual: "se me sair o euromilhões nunca mais faço nada."

Mais do que qualquer coisa, esta posição cultural está na base da nossa falta de produtividade.

Mas do que eu queria falar é de como essa forma de ver o mundo aliada a uma típica falta de cultura que desemboca numa inveja agressiva resulta quando se é confrontado com alguém que trabalha numa indústria cultural.

"Ah mas tu fazes aquilo de que gostas, não te queixes."

Quem trabalha nas áreas criativas sabe perfeitamente que é visto assim e que é essa postura que dita situações clássicas como os típicos atrasos nos pagamentos, incumprimento das condições acordadas, etc. Afinal nós, "os criativos", somos artistas e os artistas comem a sua arte ("ainda por cima os sacanas têm prazer em fazer o que fazem, mas hão-de lhes morder hão...").

Faz-me lembrar uma história passada por Michael Korda num livro que neste blogue recenseei. Resumindo a história com a preguiça de confirmar nomes e dadas de um Sábado de Agosto, um multimilionário comprou uma grande editora clássica norte-americana incorporando-a no seu império de multimédia, indústria e muito mais.

Passado uns meses o dito milionário visita pela primeira vez a editora e é recebido pelo director geral numa sala de reuniões que abre numa vista panorâmica para os corredores onde trabalham os assistentes editoriais na leitura de obras, sua revisão e anotação.

Enquanto o director geral vai descrevendo os sucessos da editora repara que o milionário está cada vez mais nervoso e irritadiço. Em vez dos sucessos editoriais e prémios, decide mudar o seu discurso e falar do crescimento financeiro da editora mas o milionário não dá sinais de acalmar, pelo contrário, mexe-se na cadeira, olha para todos os lados bufa...

O director geral começa a ficar também ele nervoso e fala dos planos de crescimento, das possibilidades de articulação com outras empresas da corporação sem sucesso: o milionário passa por várias cores e de repente levanta-se e abre a porta berrando para o corredor dos assistentes "Quando é que param de ler e começam a trabalhar????".

Outro dos clássicos para este tipo de situação é o famoso anúncio e resposta aqui reproduzidos.

Engraçado nesta situação é que não era bem sobre isto que eu queria escrever.

Quero hoje escrever sobre o tempo enquanto necessidade fundamental para um trabalho importante na área do livro. Recebo centenas de newsletters de editoras e livrarias pequenas e grandes um pouco de todo o mundo e um factor comum, então nesta época de Verão, é verificar como as newsletters chegam com recensões e recomendações de grande qualidade.

Das editoras chegam as sugestões de toda a equipe, dos editores aos comerciais, dos financeiros aos empregados da limpeza. nas livrarias todos os livreiros fazem as suas sugestões.

Lá fora, sobretudo no meio anglófono parece que já se acordou para essa noção de orgulho no trabalho e para a noção de quem trabalha na área dos livros, seja directa ou indirectamente, deve ter interesse directo no produto.

Nós por cá com a nossa notável capacidade de planear trabalho, de organizar empresas, de estrategicamente as projectar no futuro, temos outro ponto de vista. As editoras contratam assistentes editoriais que, o destino assim o dita, se não desistirem pelo caminho, serão os editores de amanhã mas não os formamos como leitores. Um assistente editorial é um escravo sem horários que leva pilhas de trabalho para casa. Tem ele tempo para sequer se inteirar do que se passa no mundo da edição, ler o que "está a dar" na sua área de trabalho, ganhar cultura geral, acumular leituras que lhe permitam mais adiante ser um editor de sucesso? Já não falo sequer de tempo para irem às livrarias ouvir o que os leitores comentam sobre os livros, perceber porque escolhem o título X e não o Y, porque preferem uma capa e não outra...

Para já não dizer que dentro de empresas de dimensão média para grande é entendido que o editor (quanto mais o assistente editorial) não tem nada que saber esse tipo de coisas uma vez que é "criativo", do mercado sabem os comerciais e os directores de marca (que curiosamente raramente lêem e quando o fazem, não é por prazer mas por obrigação).

Depois editores e assistentes apresentam os seus planos editoriais que são decididos pelos financeiros em função de dados que os primeiros não têm como recolher e os segundos não sabem interpretar.

Mas alguém na cúpula acha que assim é que se corrige o problema que as editoras sempre tiveram e "por isso não davam lucro". Nunca lhes ocorreu que a os públicos culturais são voláteis e que os únicos que são fidelizáveis são aqueles cujos números não importam aos financeiros porque não pesam o suficiente para serem significativos.

É também por esse motivo que uma qualquer grande editora não contempla oferecer os seus livros aos seus funcionários que, gostando de livros, seriam certamente os seus maiores promotores. Numa das editoras onde trabalhei achou-se que não fazia sentido oferecer livros a tradutores e revisores. Não se percebe que um profissional que tenha trabalhado num livro tem orgulho na obra para a qual contribuiu e que a recomendará. não se percebe que num meio pequeno como é o dos leitores em Portugal todos se conhecem uns aos outros e os círculos de influência se intersectam. Os amigos de um tradutor são geralmente gente que gosta de livros.

Em várias editoras de grande dimensão, se um funcionário pretende comprar um livro e se procura inteirar sobre condições para o fazer parece que caiu um meteorito. Que coisa inaudita!! Um funcionário que quer ler um livro nosso? Estabelece-se uma política à pressa e que passa pelo "vamos é aproveitar para vender e ganhar mais uns cobres". Faz-se ao funcionário um desconto ligeiro e o funcionário fica a pensar "Bando de fuinhas, fazem descontos comerciais às livrarias muitas vezes acima dos 50% e a mim apenas isto!?"

O que custa em tudo isto é o retorcido dos processos mentais que estão por trás de cada acção ou inacção, de cada medida ou decisão.

"Como é que se pode lidar com esta gente estranha que gosta do que faz? Que mandriam o dia todo enquanto nós estamos para aqui a fazer contas que detestamos. Ainda por cima os patós acham que fazemos bons livros..."

Numa indústria que funciona assim não se percebe que um assistente editorial ou um livreiro serão muito melhores profissionais se tiverem tempo para ler, por exemplo.

Este diálogo de surdos não vai ter respostas e nunca resultará em sucesso porque o latino é vingativo e uma situação de desequilíbrio dá lugar a feudos de proporções sicilianas.

Nenhuma das facções vai alguma vez estar satisfeita. Nenhuma fará concessões à outra.

Quem compra livros por gosto (a maior parte das compras fora do segmento escolar) seja esse gosto directo - "eu gosto deste livro" - ou indirecto - "eu gosto de economia e portanto compro um livro sobre a área" - ; tem de ser atendido ou fornecido por quem percebe de gostos. Um editor tem que saber fazer livros mas acima de tudo tem de saber fazer os livros que vão interessar a um determinado segmento, isso implica conhecer esse segmento (seja ele de 500 leitores, 50 ou 500.000). Um editor tem de ser um especialista nos hábitos e gostos do seu público.

Isso cultiva-se cultivando os gostos pessoais e interagindo com as comunidades de leitores. Não se desenvolve num escritório analisando números num excel.

As indústrias culturais são indústrias do gosto e do hedonismo. directo ou muito indirecto. Enquanto as indústrias culturais entre nós não perceberem isso (e não há sinais de que o venham a perceber) os públicos vão continuar a desaparecer e o futuro vai ser negro pela ausência de mercado e a incapacidade de formação contemporânea dos futuros agentes do sector.

Como será possível explicar a um gestor ou financeiro que detesta o seu trabalho e o seu produto e inveja os subordinados que fazem o que gostam, que a estratégia de uma indústria cultural tem de passar por processos formativos de públicos muitas vezes com sacrifícios financeiros que resultarão em sucessos futuros.

Há um conjunto de modelos de negócio no universo anglo-germanófilo nas áreas culturais e em particular na área do livro que têm ditado mudanças muito interessantes em tempos recentes e que passam precisamente por essa percepção. Há pouco menos de um mês um dos anúncios do Publishers Weekly era para um director financeiro e estratégico de um dos maiores grupos mundiais e uma característica sine qua non requerida era paixão por livros e leitura.

Nós por cá estamos a séculos de distância disto.

No entanto em 1976 a UNESCO definia a figura do gestor cultural e os atributos de tal função recomendando formação específica para estes no objectivo de salvaguardar as indústrias culturais no nosso mundo em mudança.

Da mesma forma como no mundo das indústrias culturais nem tudo é o gosto (embora o essencial seja) e o prazer, também não se pode reduzir tudo ao prisma eco-financeiro.

Economicamente isto é um paradoxo de utilidade: quer então dizer que em áreas que dão sempre pouco dinheiro é que precisamos de colocar os nossos directores mais habilitados e polivalentes?? Ai isso é que não, e se eles começam a gostar do trabalho, os sacanas?



5/10/2015

Recensão: A tradução para edição

Almeida e Pinho, Jorge, A tradução para edição - Viagem ao mundo de tradutores e editores em Portugal (1974-2009), Universidade do Porto, Porto, 2014


Uma das vantagens em ter compilado a Bibliografia sobre edição e negócio do livro é ter ficado com uma noção muito precisa da exiguidade do que se produz em termos documentais nessa área no nosso país. Daí que, quando aparece um qualquer contributo adicional para esta bibliografia, ache que merece a melhor atenção de todos quantos estamos neste sector.

Jorge Almeida e Pinho é tradutor e revisor técnico e docente do ensino superior também na área de tradução. Tem já outros livros dedicados a esta área no que será dos poucos em Portugal a dedicar-se ao estudo da Tradução no meio editorial.

Do meu lado, enquanto editor mas sobretudo enquanto profissional integrado no sector editorial/livreiro, tenho vindo a advogar ao longo dos anos que um dos males do sector (entre outros obviamente) é o desconhecimento que os vários agentes do sector têm do trabalho e dificuldades uns dos outros. Daí também que toda a informação que se possa recolher sobre determinado subsector da área do livro e da Edição deva ser de consumo obrigatório para todos quantos fazem do livro a sua vida.

Deixadas as notas introdutórios, passemos ao livro: a obra está dividida em quatro partes.

A primeira parte da obra pretende desenhar o trajecto da edição face à evolução sociocultural do país com especial incidência no período coberto pela obra.

A segunda parte é uma síntese da evolução e principais conceitos e metodologias dos Estudos de Tradução numa perspectiva internacional.

A terceira parte consiste numa análise dos resultados do Inquérito por Questionário sobre Tradução levado a cabo durante o ano de 2008. 

A quarta e última parte é um estudo de caso centrado na editora Campo das Letras.

A soma das partes traz muito poucos dados novos à equação do processo editorial mas confirma alguns mitos e traz a público, pela primeira vez, alguma espécie de suporte documental.

Ao longo de toda a obra Jorge Almeida e Pinho foca a sua argumentação em dois vectores principais: 

- A necessidade da mais e melhor especialização dos tradutores passar por formação a) interna das editoras e/ou b) da Universidade (em parceria ou de forma protocolar com as editoras)
   
- A forma de remuneração dos tradutores que, segundo o autor, é contrária ao espírito da lei

Muitas vezes este livro peca por um factor inevitável: é demasiado "universitário" e portanto científico na análise que faz do sector. Um leitor conhecedor das dinâmicas do sector fica com a clara noção de que uma abordagem mais personalizada centrada mais em conversas com editores e outros agentes do sector poderia ser mais benéfica no traçar do retrato da situação da tradução dentro do meio editorial. Por outro lado creio que falta a este livro para poder atingir outra dimensão, ter auscultado os tradutores. Tenho algumas, para não dizer muitas dúvidas, que uma generalidade dos tradutores se revejam nalguns dos pontos que o livro levanta mesmo a nível factual. Ainda assim, reitero, sendo este livro derivado de uma investigação universitária, estes pontos são inevitáveis por mais que limitem a informação.

Do mesmo modo a primeira parte do livro em que é feita uma análise comparativa da evolução sociocultural do país e da evolução do mundo editorial sofre os efeitos da inexistência de bibliografia especializada sobre o sector da edição e omite de forma quase total a própria evolução da profissão de tradutor que sofreu diversas alterações ao longo do século XX. Aqui faltou claramente um conjunto de entrevistas com tradutores com actividade de longas décadas. Essa seria a única possibilidade para colmatar informação que não está reunida em mais nenhum tipo de documento. Da mesma forma a evolução do meio editorial é tratada demasiado pela rama (ainda assim, friso, a rama possível dada a ausência de bibliografia especializada).

O rigor científico desta obra atinge o seu pináculo na suma das teorias e metodologias dos Estudos de Tradução que enformam a segunda parte do livro. Bastante completo e informativo, este capítulo dá várias bases científicas para o que será a análise que seguirá nas duas partes sequentes do livro.

A terceira parte da obra é o resultado do inquérito feito às editoras em 2008. Das 123 casas editoras contactadas, 36 responderam (eu respondi pela Cavalo de Ferro). Dessas 36, 11 informaram que pelos mais diversos motivos não responderiam ao questionário. Assim das 123 casas editoras identificadas, 25 responderam efectivamente ao inquérito. Este universo é muito reduzido para daí se extrapolar o retrato geral do sector mas, em boa verdade, é melhor do que nada.

Dos dados recolhidos, nenhum me surpreende mas acho particularmente interessante um tipo de respostas que revela a que ponto estão enraizadas determinadas "mentiras diplomáticas" no nosso sector. (O que não me surpreende tendo falado com alguns dos inquiridores do mais recente estudo sobre hábitos de leitura dos portugueses levado a cabo pelo Observatório das Actividades Culturais, que me referiam que tinham a certeza que vários dos inquiridos admitiam ler livros meramente porque "pareceria" mal não o fazerem e isto independentemente do inquérito ser anónimo. é uma questão de modelo mental latino.) 

Questões como as motivações das casas editoras que levavam à escolha de um determinado tradutor e a relevância que nelas assume a questão das aceitação das condições contratuais é um claro exemplo da mentira diplomática. Não que esse seja um factor contornável. Esta análise deve cientificamente ater-se à sua limitação. Mas aqui, como em alguns outros pontos, a existência de uma contra-perspectiva que partisse de conversas com tradutores (ou na pior das hipóteses, de um inquérito aos mesmos) teria sido útil.

Facto indesmentível mas que não faz sentido numa obra que pretende ser um estudo científico e que evita sempre a entrevista e conversa com os agentes do sector precisamente para evidenciar a sua "cientificidade" é a constante referência do que os editores admitem "à boca pequena" sobre a falta de qualidade/formação dos tradutores. na minha leitura não percebi que esta informação viesse de alguma resposta ao inquérito - aliás é um ponto recorrente ao longo da obra. Realço apenas a sua presença incongruente, não a sua veracidade.

Já o escrevi antes e disse-o em vários lugares: uma grande maioria dos tradutores que se apresentam para fazer tradução literária não têm qualidade para o fazer. (note-se que uso a expressão "grande maioria" e não "totalidade"). Como o autor deste livro refere amiúde, o trabalho do tradutor é um trabalho de criação literária (daí ele advogar um determinado método de pagamento da tradução), esse tipo de talento literário advém, digo-o pela minha experiência, de muitas leituras literárias. O tradutor que lê nas suas línguas de trabalho boa literatura em quantidade, geralmente atinge um nível de naturalidade no tratamento do texto literário que permite a sua adaptabilidade ao mesmo enquanto vaso condutor. E isto está para lá de qualquer formação (que não deixa de ter a sua importância mas que forma de modo meramente científico não treinado a sensibilidade literária).

Ainda nesta terceira parte do livro há alguns dados de relevância para um retrato do sector mas fica sempre a dúvida sobre a efectiva representatividade que as 25 editoras possam ter relativamente às 123 editoras em actividade reconhecidas pelo estudo. Na minha opinião a maior parte dos dados corresponde ao que conheci do meio até 2008. de lá para cá e devido à crise económica e à chegada de editoras de grande porte com outras filosofias de trabalho e de mercado - muitas delas (as filosofias, entenda-se) decorrentes da crise ou da adaptação de modelos de gestão corporativista americana.

Surpreendente para o autor (e para mim) a relevância que é dada pelas editoras a exigências do autor original sobre aspectos da tradução. Já tive vários autores que interferiram com capas e mesmo assim são uma minoria, agora autores nativos de outras línguas que intervenham no processo de tradução... são novidade.

O Estudo de caso que constitui a quarta parte da obra não surpreenderá ninguém que trabalhe no meio editorial há algum tempo. Será muito provavelmente a parte menos importante e interessante deste livro.

Ficam algumas questões inquietantes decorrentes de dados levantados entre a parte 3 e a parte 4 no que toca a exigências de adaptação da obra traduzida a posições ideológicas da editora (ponto reforçado na conclusão). Para além de me parecer uma questão grave e interessante, mais uma vez seria importante aqui o testemunho dos tradutores. Foi provavelmente um dos pontos mais surpreendentes da obra e espero que mereça melhor atenção em futuras investigações do autor.

No que toca à primeira das duas linhas condutoras da obra presentes ao longo do texto, o autor frisa várias vezes ao longo do texto a necessidade de maior e melhor formação dos tradutores. No que toca a formação interna das editoras para os tradutores não me parece viável dada a natureza intrínseca do perfil empresarial da editora nacional e da sua capacidade humana e económica (que o autor, aliás, muito bem descreve); já no que toca a parcerias/protocolos entre as editoras e a instituição universitária, sendo bem mais viável, ainda assim limita-se em termos potenciais ao um leque muito reduzido das editoras de grande dimensão. Imagino que possa ser bastante importante sobretudo para o livro técnico mas aquilo que verifico nas análises a testes de tradução literária que fiz ao longo dos anos não é a ausência de ferramentas ou conhecimentos técnicos, é a falta de leitura. Isso verifica-se no baixo nível de vocabulário português e na falta de sensibilidade no que concerne a sensibilidade literária. Outro dos problemas recorrentes nos testes de tradução (e que, mais uma vez, só se resolvem com muita leitura) é o desconhecimento dos correspondentes epocais. É muito difícil encontrar um tradutor capaz de verter um texto de outras épocas para uma linguagem que tem de ser o equivalente português do vocabulário dessa época.

Isso requer sensibilidade literária mas também boa cultura e muitas leituras. Dou-vos um exemplo: há uns anos fiz a tradução de um texto de Mark Twain (Excertos dos diários de Adão e Eva). O mais complicado dessa tradução foi acertar no vocabulário e tipo de linguagem a utilizar pois sendo os textos originais do começo do século XX (1904 e 1905) o correspondente em termos de linguagem e vocabulário está muito mais próximo do empregue pelos humoristas portugueses nos finais dos anos 20 e anos 30. E isso requereu leituras de André Brun, Eduardo Schwalbach, Albino Forjaz de Sampaio e outros e isto só foi possível porque eu tenho um conhecimento da literatura portuguesa ao longo dos vários momentos do século XIX e XX que me permitiram perceber qual o melhor correspondente. este tipo de conhecimento, vital para a tradução literária, não se adquire na academia.

O outro factor onde a formação não intervém mas que é essencial para a tradução literária é a naturalidade do coloquialismo literário. O diálogo em literatura é uma forma de representar (fiel ou propositadamente não fielmente o diálogo falado mas a passagem do falado para o escrito tem grandes especificidades e cria uma naturalidade de discurso que não é a mesma de língua para língua. Uma boa parte dos testes de tradução que fiz ao longo dos anos resultou na rejeição dos tradutores por incapacidade de fazer esta transposição que, para um tradutor com muitas leituras nos seus vários idiomas de trabalho acontece de forma quase natural.

Muitos outros testes de tradução foram rejeitados por motivos que, esses sim, podem e devem er trabalhados ao longo do sistema de ensino e formação: falta de cuidados na apresentação, falta de cuidados na reprodução gráfica da tradução face ao original, ausência de investigação que leva a erros de palmatória, péssimo nível de vocabulário português e conhecimento sintáctico, etc etc...
 
Antes de partir para uma questão final, a da forma de remuneração do trabalho de tradução, fazendo desde já um resumo do livro que agora se analisou, diria que é uma obra de importância pela abrangência de perspectiva em torno do sector da tradução, tão pouco abordado e estudado entre nós. Enquanto obra universitária cumpre dentro das limitações documentais as suas funções embora, no meio de tanta informação cientificamente comprovada e comprovável, admita como informação fidedigna alguns rumores e bocas que, sendo verdadeiros, não parecem ter uma fonte concreta indicada de forma científica.

A análise que a obra faz do sector da tradução recolhe dados do lado das casas editoras mas não do lado dos tradutores o que me parece uma pecha tremenda porque acho que consolidaria alguma informação e traria alguma discussão a outros pontos.

No compto geral esta obra é informativa e útil em muitos aspectos para quem queira conhecer a vertente em causado sector e do processo de edição. Em boa hora surge, aliás, agora que o mercado e o processo editorial sofre algumas alterações importantes e seria/será necessária uma reflexão do sector sobre as suas chances de sobrevivência.

APÊNDICE A ESTA RECENSÃO

Para discussão final e porque é um ponto que me incomoda verdadeiramente e com o qual de forma absoluta não concordo com o autor: a questão da forma de remuneração do trabalho de tradução.

Esta é, como indiquei no começo, uma das duas linhas condutoras da obra para o autor. As referências a esta questão aparecem um pouco por todo o livro.

O autor acusa recorrentemente as editoras de não cumprirem o espírito da lei (e portanto e inerentemente de ilegalidade). A sua posição é de que, de acordo com a lei, os tradutores deveriam ser pagos em direitos de autor (como os autores, através de uma percentagem sobre o valor de capa do livro vendido).

Admito que esta forma é, efectivamente, a norma de lei - aliás cito o artigo 172º do código de direitos de autor que o autor cita: "2 - salvo convenção em contrário, o contrato celebrado entre editor e tradutor não implica cedência nem transmissão, temporária ou permanente, a favor daquele, dos direitos deste sobre a sua tradução." 

Acontece que, ao contrário do autor, eu leio "salvo convenção em contrário" que parece ter escapado ao autor. esta pequena ressalva permite o modelo de contrato norma no mercado português e permite que continuemos a ter traduções e tradutores em Portugal.

O que Jorge Almeida e Pinho não parece perceber é a real dimensão do mercado e os números efectivos de vendas de livros (antes e depois da crise). 

Eu tenho a certeza que não conseguiria um único tradutor se lhe oferecesse um contrato de tradução nos termos em que JAeP advoga. Que tradutor nacional aceitaria ser remunerado como um autor nacional recebendo um ano depois da publicação da obra uma percentagem do preço de capa dos livros vendidos pela editora? Ainda para mais sabendo-se bem quais as vendas de livros traduzidos. 

Se a situação preconizada por JAeP fosse norma, em Portugal apenas teríamos tradutores para best-sellers. Façamos um exercício: uma editora procura um tradutor para fazer uma tradução literária complexa, digamos uma obra de um autor de qualidade premiado internacionalmente como Juan Carlos Onetti ou um prémio Nobel como Isaac Bashevis Singer, por mero exemplo, essa obra estima-se que tenha, umas 200 páginas com 2000 caracteres por página. Assim e considerando que dado as páginas de começo e final do livro e finais de capítulo o número efectivo de páginas de texto será de umas 175 páginas, considerando um pagamento norma de  8 € por cada 1800 caractéres incluíndo espaços, o tradutor receberia 1555 €. 

No modelo defendido por JAeP um tradutor receberia um ano após a publicação do livro (como o autor caso esteja ainda em domínio privado) uma percentagem de digamos 3% (considerando que um autor estrangeiro recebe em média 8% e um autor nacional 10%) sobre vendas efectivas do livro (não sobre colocações) que para um destes autores ronderá os 500 a 900 exemplares vendidos - fiquemo-nos por uns 750 a um preço de capa de 15 €. Assim o tradutor receberá 337, 5 €. Ora como também sabemos o mercado neste momento não trabalha reposições pelo que todo o título que não seja vendido volta para armazém e provavelmente não volta à livraria (muitas vezes mesmo quando há encomendas pois o lucro de um fundo de catálogo não compensa o esforço da encomenda e a política de muitas cadeiras livreiras é indicar que "está esgotado").

Ainda assim digamos que o livro mantém algumas vendas ocasionais e atinge nos 3 a 5 anos seguintes à sua publicação vendas da ordem dos 1000 exemplares. Nesse casoe  diluído pelos anos seguintes ao primeiro ano de publicação em que recebeu o referente às vendas de 750 exemplares, o tradutor receberá ainda a verba de 112,5 €.

Com esta realidade que tradutor quererá traduzir boa literatura? Não tenho dúvidas que os tradutores quererão traduzir Harry Potter, ou "O segredo", ou Nora Roberts, mas fora estas e algumas outras excepções, mesmo muita literatura comercial ficaria sem tradução.

Ainda assim e se existirem tradutores dispostos a trabalhar neste regime, são a alegria de muitos editores que podem baixar os preços de capa dos livros pois baixam o segundo maior custo na produção de um livro após a impressão e acabamento.

O que muitos agentes do sector parecem não ter ainda percebido apesar de se movimentarem neste meio há alguns anos, por vezes até décadas, é que não há número suficiente de leitores para justificar a dimensão da indústria de edição que temos. Que o nosso mercado deveria ser regrado de forma muito mais apertada e efectiva por um qualquer órgão de controlo e fiscalização (ou pelo menos por um sistema de autocontrolo como o que já sugeri em tempos à Secretaria de Estado da Cultura). E que todos os agentes do sector deveriam estar empenhados na criação de políticas de angariação de novos leitores. neste momento a grande questão é se o sector editorial sobrevive nos próximos 5 a 10 anos. 

A crise afastou a grande maioria dos denominados públicos flutantes e conduziu o mercado à sua real dimensão. As estatísticas continuam, por interesse das editoras (ainda que mal orientado) e dos restantes agentes do sector (por motivos parvos e inadequados), a ser forjadas e irreais.

Era muito importante que se criasse um curso de economia para o sector específico do livro. falta muita capacidade de fazer contas e faltam fontes fidedignas de números de um sector que parece empenhado em maquilhar-se constantemente para uma qualquer e hipotética festa que não vai acontecer.