11/13/2015

Cidade em Chamas, Garth Risk Hallberg

CIDADE EM CHAMAS 
Garth Risk Hallberg

Teorema/ LeYa, 29,90€

Editora: Carmen Serrano
Tradutora: Tânia Ganho 
Revisão: Rita Almeida Simões

Capa: Rui Garrido 

Produção Multitipo


Este será, provavelmente, uma das principais apostas de tradução do Grupo LeYa para o Natal de 2015. Trata-se de um livro fenómeno nos EUA e que traz com ele uma expectativa rara para um autor sem qualquer plataforma em Portugal, acarretando um elevado risco comercial para quem o publica, em especial pelo muito provável avanço que terá sido pago para a obtenção dos direitos de publicação em Portugal. O risco observa-se, também, pelo número de páginas da obra (1000!) em texto corrido, e pelo tema, a Nova Iorque do final dos anos 1970, marcada pela degradação urbana e pela grande disparidade económica existente dentro desta megalópole (hoje em dia é mais simples, só os ricos lá vivem...).

Em termos de conteúdos, observa-se um forte trabalho de editing sobre a obra original (inglês dos EUA) de forma a tornar este livro um livro “de leitura” e não uma obra literária no sentido europeu do termo, o que poderá revelar que o original se encontraria “aborrecido” em algumas partes e a necessitar de trabalho de dinâmica – a crítica literária nacional que se dedique a essa parte. Vemos capítulos curtos, tentativa de criar dinâmica de ação, linguagem direta e recurso a discurso direto para fazer avançar o enredo, várias personagens que se intersecionam, para manter uma leitura fluida e rápida. Um livro que, apesar do tamanho, deverá poder ser lido pela generalidade do público (leitor) com agrado, pelo menos no que ao trabalho de editing diz respeito.

Não tendo lido a obra na sua grande maioria, nem tido acesso ao original em língua inglesa, posso desde já indicar que a tradução parece comprovar a elevada qualidade a que a Tânia Ganho, tradutora já de créditos firmados, nos tem habituado. De uma forma sucinta, e sem querer esquecer o trabalho que a editora e a revisora possam ter tido neste resultado  ̶  tanto que os “Interlúdios” foram traduzidos por outras duas pessoas, entre elas a revisora  ̶, o texto mantém uma experiência bastante agradável de leitura. Apesar de cada leitor preferir diferentes estilos de tradução  ̶  mais próximos da língua de partida ou da língua de chegada  ̶  este texto parece manter algum equilíbrio, aproximando-se mais da língua de partida (marcas ligeiras de literalidade) sem, no entanto, causar estranhezas ao leitor português. Acima de tudo, mantém o discurso direto com a fluidez necessária, e não se observam complexificações e distorções do discurso mantendo algumas características de leitura próximas do original. Para a tradutora e para a editora e a revisora, os nossos sinceros parabéns, em especial devido à complexidade que a obra parece acarretar, com elevada variabilidade de discursos.

Uma nota menos positiva para o papel utilizado, onde o aparente recurso a um Munken Pure creme 80 (não tenho a certeza, indico-o só por observação direta), muito provavelmente por obrigatoriedade de grupo e compra em escala, acaba por trazer vários problemas de opacidade e perda dos fundos, em particular nos já referidos “Interlúdios” que vão surgindo ao longo do livro. Da mesma forma o recurso à fonte manuscrita (que deverá vir do original) poderia ter sido trabalhado para iludir o efeito, não usando preto a 100%. O layout interno e a paginação são bastante boas e geralmente cuidadas, em especial tendo em conta a relativa complexidade de fontes que vão surgindo no livro. A produção não tem qualquer problema a apontar. Bem impresso e acabado, sem erros visíveis.

O plano de capa parece ser o espaço para maior diversidade de opiniões, pela complexidade da imagem e cores usadas e, em particular, pelas opções de comunicação. Uma abordagem arriscada que, no meu entender, resultou graficamente bastante bem (opiniões divergem, no entanto), tendo, ainda assim, problemas de alguma gravidade. Em termos de design, a referencialidade do livro e do tema estão presentes, assim como a diferenciação gráfica no ponto de venda, um título capaz de aguentar thumbnails (apesar de causar dúvidas iniciais de leitura, comprova-se eficaz na leitura à distância) e bastante bem conseguido no conjunto da capa, com destaque muito positivo também para a lombada.

A nota crítica surge no entanto para o descuido nos elementos de leitura e comunicação. O nome do autor quase não tem visibilidade (apesar de ser um novo autor, recordemos que este é o principal motivo de atração para a crítica e, logo, para os leitores fortes que irão procurar o livro. Afinal de contas um livro de 30€ e 1000 páginas não é para compra de impulso...). Da mesma forma, existe um descuido elevado na colocação dos logos que estão quase anulados (quer pelo tamanho diminuto do símbolo gráfico na lombada, quer pela quase total falta de leitura da marca na capa). Opção errada também no recurso a uma fonte excessivamente bold na contracapa, que prejudica a leitura a olhos mais cansados. O autocolante de endorsement da capa também surge de forma excessivamente forte, com uma linguagem gráfica que destoa (na imagem acima essa questão já se encontra resolvida).

A biografia de segunda badana é sucinta, mas calculo que para um autor destes não seria possível fazer melhor e os endorsements de primeira badana são, na sua maioria, inúteis no formato em que estão. Referências não significativas de pessoas desconhecidas para o mercado português, demasiado compridas e que se confundem em propósito com o texto de contracapa ou a crítica futura. Ou seja, não conseguem transmitir claramente uma mensagem de qualidade. A título de curiosidade, no site da LeYa (claramente o melhor dos sites em termos de conteúdos de comunicação, com cuidado na elaboração das sinopses e biografias, por exemplo) os mesmos endorsements aparecem sucintos e bem mais trabalhados, anulando informação desnecessária e funcionando corretamente para o mercado português.
De uma forma global, esta é uma capa excessivamente marcada pelo design e menos pela comunicação/ edição.

O preço da obra parece-me elevado para o livro em questão e um fator claro de restrição das vendas, mas calculo que para uma obra com estas características deverá ser difícil fazer melhor. Recordo só que este é um livro que depende excessivamente da comunicação especializada e da visibilidade inicial no ponto de venda para começar a «rodar», tendo características de word of mouth muito difíceis de funcionar em Portugal (falta de empatia com o tema do livro e dimensão do texto face aos hábitos de leitura nacionais), podendo ser um livro mais comprado do que lido, o que revela um elevadíssimo risco comercial, mas o 2666 de Roberto Bolaño também tinha essas características e, no entanto, resultou.

Em resumo, uma obra recomendada para todos os leitores habituais, bem cuidada e editada, que merecia alguma atenção adicional ao plano de capa.


Nuno Seabra Lopes, editor e consultor editorial

Crítica Editorial

Desta feita o crítico sou eu.

Ou melhor, a partir desta data, e com uma periodicidade na pior das hipóteses quinzenal, farei uma coluna de crítica de livros do ponto de vista editorial. Nada de falar sobre autores e enredos, coisas do âmbito da crítica literária: eu, é mais livros.

Mas acima de tudo, criticar edição não é dizer que se sabe fazer melhor. Como editor percebo melhor do que ninguém as contingências da profissão e as dificuldades dos colegas (excesso de trabalho, hierarquia de relações com outros departamentos e autores, etc., etc.) que concorrem para que, por vezes, algumas coisas corram menos bem. Todos erram, eu também erro.

No entanto, editar é uma arte maior que merece a atenção de uma crítica especializada, e ao analisarmos o trabalho efectuado estamos a informar o público e a ajudar a criar critérios que definam o que é um bom trabalho editorial. Estamos, igualmente, a dignificar uma profissão que não merece ficar escondida por detrás do trabalho do autor.

Assim sendo, do editing à revisão, da tradução à ilustração, dos materiais à produção, passando pelo design e pela estratégia comercial e de promoção, tudo deverá ser alvo de um olhar atento.

Por fim, refira-se que uma crítica tem sempre algo de opinião e visão do próprio. Aquilo que eu observo como um defeito pode, por vezes, ser analisado de forma contrária e até comprovada com mais certeza, pelo que o contraditório é sempre interessante. Afinal, nada é mais científico do que a crítica, a economia e a meteorologia.

Espero que gostem.
Nuno Seabra Lopes