6/28/2013

Texturas em digital

Capa da edição n.º 18

Já é possível ler e subscrever a revista espanhola de edição Texturas em digital.

A revista, quadrimestral, tem um preço de subscrição de 15,00€ (5,00€por número) e pode ser subscrita aqui.

6/26/2013

Fazer livros é brincar com o efémero.

Gianluca Foglia

Não sejamos chatos. Os livros não são eternos e para perdurar nos tempos é necessário que o vento sopre e a areia passe pelo buraco da fechadura. Afinal, nem Homero era Homero... e a gravação na pedra é mais perene do que no papel ou no servidor.

Se pouco ou nada irá ficar para a geologia, que durante os nossos tempos algo fique é ainda assim importante; chegar ao fim do dia, do ano, da respiração e ter a sensação que ainda estamos presentes no mundo, de que algo foi feito para quem cá está – a dádiva egoísta do homem.

E tudo isso para falar de trabalho...
Num mercado literário destruído pelo vício da cópia – não a pirata, mas a económica: a da busca abstrusa pelo best seller com base no que funcionou – perde-se o espaço do livro e da criação.

Publica-se para o sucesso do mês seguinte, procura-se o fenómeno do Top (assim, com maiúscula, para significar) a custo da perenidade, cria-se o livro de que ninguém se lembrará no dia seguinte. Tal como as bandas de uma só música, proliferam hoje autores de um só livro ou coleção que são, para os editores, o sucesso do efémero, a certeza de que este ano as contas estão pagas. No próximo livro as vendas quebraram a um terço e, dentro de 10 anos, ninguém do mercado quererá saber deles, tão focados estaremos no sucesso seguinte.

Matam-se os velhos pelos novos, o potencial pela certeza.

No entanto, toda a gente sabe que um autor faz-se (quase sempre) ao contrário. Começa pela diferença e, pelo seu trabalho, vai convencendo leitores a partir do cerne, mudando-lhes a casca, introduzindo-se ou «infetando», como diz Lobo Antunes.

Gianlucca Foglia não acha ser possível continuar a editar nesta corrida permanente, que a atenção terá de regressar ao autor, aquele que é capaz de manter vendas permanentes e salvaguardar o futuro do livro e da edição. Apostar na certeza lenta, em vez da lotaria que, quase sempre, falha e, no caminho, destrói o mercado.

E eu acho que ele é das únicas pessoas que atualmente está a falar sobre o futuro da edição. O resto são fait-divers digitais.

A propósito das palavras de Gianlucca Foglia, diretor editorial da italiana Feltrinelli, na sessão A edição: passado, presente, que futuro?, organizado pela Fundação José Saramago/ Casa dos Bicos.

Nuno Seabra Lopes

6/24/2013

Encontro com profissionais da edição alemã

No âmbito do Festival Afinidades Electivas, realizar-se-á no próximo sábado, dia 29, de manhã, nas instalações do Goethe-Institut de Lisboa, um encontro com Petra Hardt, diretora do departamento de direitos de autor da Surhkamp/ Insel Verlag, e de Bernd Zabel, do departamento de literatura e apoio à tradução do Goethe-Institut de Munique.


6/19/2013

Gestão da 'mercadoria cultural' livro



Tenho andado a puxar pela cabeça e a tentar recordar quando foi que li The business of the book pela primeira vez. Imagino que tenha sido na época em que frequentava o curso de especialização em técnicas editoriais na FLUL mas não consigo recordar as circunstâncias particulares ou quem mo emprestou na versão inglesa há mais de 10 anos.

Naquela altura o livro serviu-me unicamente para perceber o que acontecia lá fora. Por cá, apesar de já ter havido algumas tentativas e a chegada de alguns capitais estrangeiros, estava ainda para chegar o tempo das concentrações. O livro deu-me, sobretudo, bases de pensamento sobre a edição e aquilo que queria fazer.

Recentemente, tendo saído a primeira tradução portuguesa, de forma tardia mas em termos contextuais, no que ao nosso país concerne, na altura certa, reli o livro na tradução portuguesa e o efeito foi outro. Se quando li o livro pela primeira vez eu tinha ainda uma experiência limitada a alguns meses de assistente editorial, agora tenho uns 13 anos de trabalho como editor quer em pequenas editoras quer num grande grupo, isto para além de ter podido privar ao longo dos anos com profissionais das mais diversas áreas e que trabalham, também eles, em pequenas, médias e grandes editoras e grupos editoriais. O efeito desta leitura foi estonteante.

Ainda antes de falar sobre a questão que quero aqui abordar, fica de novo a recomendação entretanto já muito repetida, da leitura deste livro para qualquer pessoa que queira saber a lógica e os mecanismos que ditam a oferta cultural. Apesar de o livro se centrar na questão do livro (como também os primeiros capítulos do seu mais recente Words & Money, Verso, 2010), é fácil extrapolar essa leitura a quase todas as denominadas indústrias culturais.

Aquilo que quero realçar é sobretudo a análise dos processos de concentração mas sobretudo dos modelos de gestão aplicados a esses grandes grupos.

Nos anos 70, num congresso da UNESCO foi definido que o livro deveria ser considerado como uma “mercadoria cultural”. Esta definição pressupunha um entendimento de que quem gere uma empresa editora tem de ter formação em gestão mas não pode ser um gestor tout court. Tem de ter também uma formação cultural. Aquilo que se procurava transmitir era a necessidade de formação específica para os gestores das indústrias culturais. E que, mais do que em qualquer outra área, deveriam trabalhar nas empresas editoras apenas os gestores com gosto para o produto e com conhecimento específico do mercado.

A. Schiffrin faz em O negócio dos livros uma análise da evolução do mercado americano e em particular dos processos de concentração que o mesmo sofreu ao longo do século XX. As últimas conclusões e as impressões que deixa no final do livro comprova-as, dez anos transactos, nos primeiros capítulos do seu mais recente título (o já referido Words & Money).

Aquilo sobre o que irei falar será uma abordagem muito condensada dessa análise feita por Schiffrin e que, de forma alguma, dispensa a leitura do livro. Não farei grandes paralelos com a situação portuguesa por vários motivos entre os quais estão o facto da diferença na dimensão do mercado, a diferença nos hábitos de consumo e sobretudo do tratamento dado pelos leitores ao livro e a própria natureza diversa entre os grupos/pessoas responsáveis pelos processos de concentração cá e lá. O que me interessa focar é o que se passa no interior das empresas após os processos de concentração, ou seja, os efeitos concretos que os modelos de gestão aplicados produzem, esses sim geralmente semelhantes em qualquer parte do mundo.

Dessa forma o que se segue é um resumo despido de outros dados e simplificado (mas não distorcido) que se centra nesta perspectiva. Por outro lado cumpre frisar novamente que estou a sintetizar o que Schiffrin diz sobre o mercado americano e que apesar de haver linhas gerais que tocam o mercado português (cujos paralelos e diferenças focarei brevemente mais adiante) e outros, nem tudo decorre da mesma forma ou pelos mesmos motivos.

Vejamos então o que nos relata Schiffrin:

Quando uma editora é comprada para integrar (ou formar com outras) um grupo, isso acontece porque essa editora tem uma boa reputação no mercado (independentemente da sua situação financeira). Paralelamente a este motivo só há mais dois possíveis: erro e ou troca de favores.

Ainda assim, a generalidade das editoras adquiridas têm uma saúde financeira suficiente para se ir mantendo. Os editores e gestores das firmas iniciais estão nelas geralmente por gosto (e isto é tão mais verdade quanto mais próxima a empresa estiver dos seus fundadores). Quem trabalha em editoras que são criadas para serem editoras, tem intenções, tem projectos e tem concepções próprias. Não se está nem se vai para a edição para ficar rico. Há muitas áreas em que isso é infinitamente mais fácil. Não, quem vai para uma editora ou quem cria uma editora, fá-lo para fazer a diferença ou, pura e simplesmente, por gosto.

A maior parte das editoras, até como estratégia de sobrevivência, cria linhas editoriais (ou chancelas ou submarcas) para publicar títulos que lhes permitem o encaixe financeiro para publicar aquilo que nas estratégias, projectos, intenções e concepções que definem a identidade de cada editora, é o núcleo identitário da referida editora.

Incorporada num grande grupo, uma editora vê, em primeiro lugar serem-lhe impostos desde logo objectivos anuais de lucro e crescimento (duas coisas diversas)geralmente superiores a 15% (normalmente na mesma proporção dos lucros esperados por outras áreas de negócio dentro dos grandes grupos – no caso dos EUA, das corporações de multimédia). Ora estes objectivos não são possíveis junto do mercado do livro. E não são possíveis porque, na mais optimista das hipóteses, o mercado estará estagnado em termos de número de leitores sendo que o mais provável é que tenda a decrescer.

Por outro lado – então no mercado americano! – o livro digital reduz drásticamente o encaixe financeiro das editoras (nem sequer tocarei na questão da facilidade da pirataria que continua a possibilitar que qualquer e-book esteja geralmente pirateado na internet no máximo 1 mês após a sua publicação). [Schiffrin apenas aborda esta questão ao de leve em Words & Money.]

Os gestores dos grupos adquirentes impõem estas metas (e muitas outras detalhadas no livro) porque ao tomarem conta das contas de uma editora percebem a gestão anterior como caótica e desorganizada [há gestores que mesmo após anos nunca chegam a perceber a mecânica financeira das colocações/vendas/devoluções]. A sua percepção é que com uma gestão linear e “profissional”, aquela empresa que tinha boa reputação e até poderia ter algum lucro, poderá ir bem mais longe. Então se esse crescimento e lucro de pelo menos 15% acontece com outras áreas de negócio em que o grupo está envolvido, porque não também ali?

Claro que aí, a sua análise procura logo e de imediato a rentabilização: essa passa por processos muito “standardizados”:

- Eliminação dos fundos de catálogo (sem terem a percepção que são as vendas regulares de poucos exemplares dessas centenas ou milhares de títulos que garantem o cash flow regular de uma editora e que são esses títulos que definem a identidade da editora)

- Redução do pessoal (para quê ter um editor por área quando há áreas tão próximas? Jardinagem e Culinária não são quase a mesma coisa? Mais uma vez se destrói a identidade das linhas editoriais)

- Centralização de recursos (por exemplo serviço de encomendas. Despersonalizando a relação com o cliente sob o pretexto de o personalizar “melhor”)

- Aquisição de mais editoras (afinal se o número de leitores e portanto a dimensão do mercado não são elásticos e pelo contrário tendem a diminuir e face à perda de identidade da editora a dispersar o seu interesse por outras editoras, a única forma de alcançar os objectivos de crescimento, é a aquisição)

- Aumento do salário dos gestores e directores e criação de bónus por objectivos de vendas (afinal se o número do pessoal é cada vez menor e se se está a exigir a muitas dessas pessoas que produzam resultados que nunca produziram na vida, devem ser remuneradas em função das exigência. Aqui convirá ressalvar que lá como cá, quem trabalha na edição por gosto pouco ou nada recebe. Schiffrin conta como após cada aquisição os directores e gestores passaram a auferir salários equivalentes aos de gestores e directores nas outras empresas do grupo de áreas totalmente diferentes)

- Fixação de objectivos comerciais título a título (os livros já não podem ser publicados em função de uma estratégia: um editor não pode já justificar que está a fazer 3 títulos comerciais para que haja margem de manobra para fazer “aquele” título que vai perder dinheiro – no entanto esses gestores quando questionados sobre que tipo de livros é que a sua editora publica em festas ou eventos sociais e culturais, mencionam sempre os autores de prestígio contra cujas projecções de vendas vociferam nas reuniões de discussão de planos)

- Fixação de metas temporais para a concretização de objectivos financeiros por livro (nenhum livro que não tenha resultaodos positivos num ano é sequer considerado. Reparem agora que tipo de livros é que esta situação elimina à partida:

- Livros cujos custos de produção tornam a primeira edição praticamente não-lucrativa, mesmo que depois se possa estimar que o livro em edições seguintes consiga render milhões
- Qualquer tipo de livros cujas vendas possam mesmo ser excelentes mas cujos resultados estimados de vendas se diluam ao longo dos anos (ou seja não adiantará nada um editor dizer: “este livro é semelhante ao livro Z do nosso catálogo que em 10 anos vendeu 200.000 exemplares” quando a expectativa é que o livro não venda mais do que XXXX exemplares no primeiro ano)
- Novos autores (impossíveis de projectar)
- Novos tipos de livro / novas experiências literárias / obras diferentes de tudo quanto está disponível no mercado (i.e. leia-se, a evolução da literatura; impossíveis de estimar)

Após estes e alguns outros processos-tipo há duas possibilidades para o grupo detentor da empresa:

a) A venda imediata de um concentrado de editoras com um valor de mercado muito superior (mas cujo volume de negócios tende a cair), um grupo de editoras totalmente descaracterizado e com uma estrutura interna a funcionar nos limites da sua capacidade e portanto muito leve

b) A manutenção do concentrado de empresas no grupo o que leva em poucos anos a grandes perdas de valor de mercado porque os factores acima indicados tornam-se demasiado evidentes para o mercado.

E a consequência natural são despedimentos em massa, reformulação dos modelos de organização e dos catálogos com vista a fixarem-se unicamente nos best-sellers.

Claro que um processo semelhante passa-se do outro lado da barricada, nas livrarias. Em conjunto estas evoluções levam à criação de um mercado que se auto-alimenta das ilusões dos gestores e é totalmente cego e surdo aos compradores.   

O mercado resultante destas transformações é um mercado homógeno, com uma oferta homógena que vive de estatísticas tão facilmente pervertidas como isto: se os destaques nas montras e bancadas de destaque das livrarias são sempre para livros to tipo Y que acaba por ter um destaque de mercado percentualmente bem acima de qualquer outro tipo, as estatísticas naturalmente revelam que o público compra mais livros do tipo Y.

Ao fim de toda esta transformação – que é bem mais rápida do que aquilo que as pessoas pensam – o mercado perdeu toda e qualquer diversidade, o grosso de leitores passa a ser “formatado” pela oferta “formatada” e quem lhe resiste tem de se deslocar a livrarias alternativas – que a cada dia desaparecem porque são esmagadas pelas grandes editoras e grandes grupos livreiros – no sentido de comprar livros alternativos.

O resultado a longo curso tem um elevadíssimo peso social: mata-se o público da diversidade e forma-se um público da homogenia e do facilitismo.

André Schiffrin reclama para si e para quem vê como ele estas evoluções do mercado a necessidade de intervir a bem da sociedade. E sobre esse ponto já neste blogue o João Carlos Alvim e eu nos manifestámos.

O caso português poucas diferenças tem no que toca ao modelo de gestão. As diferenças estão em que as livrarias e editoras quando adquiridas, geralmente são-no porque têm péssima saúde financeira derivada de motivos já sobejamente abordados neste blogue. Os grupos adquirentes não são gigantes com investimento em áreas muito diversas (os poucos que existem neste país não querem de todo envolver-se nas indústrias culturais. Fora estas pequenas diferenças e umas poucas mais, em tudo o resto a situação é igual.

Os dados revelados por André Schiffrin neste seu livro bem como em Words & Money levam à constatação que apenas o procedimento a) acima descrito e mesmo aí só nalguns casos, permite que o investidor ganhe dinheiro. Não pela venda ou produção de produtos (livros), de prestígio ou qualquer outro factor; ganha dinheiro comprando e vendendo empresas que entretanto despersonalizou, estripou e vulgarizou.

Schiffrin apresenta algumas propostas de solução em O negócio dos livros como mais tarde em Words & Money, mas, essas sim, são propostas que passam muito pela realidade americana ou pela realidade de países com dimensão de mercado que permite a sua concretização. Mesmo quando aborda a alternativa norueguesa, não podemos pensar na sua aplicabilidade para Portugal porque o grosso da população norueguesa lê regularmente livros o que faz com que, mesmo tendo uma população bastante inferior à portuguesa, a dimensão do seu mercado do livro seja muito maior do que a nossa.

Talvez seja chegada a altura de se começar a discutir as soluções para a edição nosso país e pensar em modelos próprios assentes na obrigação que todos os que trabalham no sector devem sentir, de formar novos leitores. Claro que quem é gestor numa editora mas no mês seguinte pode estar a gerir uma fábrica de condutores eléctricos, não sente a pressão de encontrar soluções. Ainda assim fica, mais uma vez que já o venho afirmando desde há anos, o desafio.

[Por último os parabéns à Letra Livre pela edição do livro. Comprei-o e tenho vindo a recomendar amiúde. Parabéns ao Vítor Silva Tavares pelo excelente prefácio. Aos tradutores por uma tradução quase perfeita, malgrait a habitual confusão entre 'reedição' e 'reimpressão' que torna algumas frases difíceis e um tau-tau na paginação. Se estou a ser rigoroso é porque o livro o merece. Até o Vítor Silva Tavares trocou um 'ó' por um 'oh'. E eu, no texto acima, devo ter-me fartado de dar calinadas. Assim dói a todos.]  

6/18/2013

Edição: passado, presente, que futuro?



É já depois de amanhã, dia, 20, pelas 18h30, nas Fundação José Saramago / Casa dos Bicos, em Lisboa, que se irá realizar o um encontro de Editores de Portugal, Espanha e Itália para discutir o estado da Edição.

Para todos os que seguem este blogue é um encontro a não perder, com a presença de alguns do mais importantes editores portugueses e a presença de dois grandes editores internacionais, Pilar Reyes, diretora editorial da marca gigante (e recentemente adquirida pela Bertelsmann) Alfaguara, e Gianluca Foglia, diretor editorial da histórica (e também bastante grande) G. Feltrinelli Editore.

Facebook do evento

6/14/2013

Ler em Comunidade

 

Na recente Feira do Livro de Lisboa estive a organizar, a convite da Sofia Ramos e do site www.clubedaleitura.com, um conjunto de sessões que levaram à referida feira 10 das mais importantes comunidades de leitores da área da Grande Lisboa (e não só).

Eu tinha já uma ideia da importância dessas comunidades mas fiquei surpreso com a qualidade e poder de mobilização das mesmas. Com efeito em anos de visitas à Feira do Livro de Lisboa nunca vi eventos tão frequentados exceptuando os casos pontuais de visitas de autores ou personalidades bastante mediáticas. Tivemos uma média de 40 pessoas por sessão e essas pessoas vieram quase todas através das iniciativas de mobilização da comunidade em si.

O objectivo era trazer para junto do público leitor em geral o fenómeno e as diferentes mecânicas que regem as comunidades de leitores. Cada comunidade explicou a sua metodologia - as diferenças são significativas: temos comunidades que analisam uma obra por sessão e outras que discutem uma obra capítulo a capítulo, há comunidades que convidam autores e outras que o recusam, há comunidades que organizam passeios e jantares literários, etc) - mas no compto geral, e esse é o ponto essencial que me leva a escrever aqui, o que une as comunidades de leitores é uma espécie de união resistente em torno da leitura.

Independentemente do tipo de literatura que cada comunidade aborda, encontra-se nos seus membros a vincada vontade de comunicar com um grupo de pessoas que compartilham o gosto pela leitura.

As primeiras comunidades arrancaram há cerca de 10 anos, mas tem sido nos últimos 3 ou 4 anos que a proliferação das comunidades de leitores afectas sobretudo a bibliotecas, livrarias e algumas instituições culturais, ganhou novo fôlego. No que toca aos espaços que recebem as comunidades as vantagens são evidentes: as bibliotecas e instituições ganham a presença de um público fiel que de forma mais ou menos directa acaba por estar mais próximo das actividades que essas entidades desenvolvem. No caso de livrarias cria-se uma comunidade de compradores não apenas potenciais mas efectivos (ainda para mais quando os membros da comunidade fazem sugestões e recomendam leituras alternativas e complementares à obra em análise).

Mas acima de tudo, das comunidades já com alguns anos vão nascendo e crescendo ramificações: novas comunidades e novos membros. Ouvi histórias que provam o quanto estas comunidades têm um efeito quase "evangelizador", angariando novos leitores e desenvolvendo os hábitos de leitura e este esforço espontâneo é o único a ser desenvolvido afinal de forma sistemática e continuada no sentido de trabalhar novos leitores.

O trabalho dos dinamizadores de cada comunidade é complicado pois tem ainda e muito de lidar com a velha ideia de que quem trabalha nestas coisas, fá-lo por gosto e portanto não precisa de ganhar nada com isso.

Não queria acabar sem afirmar o prazer que foi estar com tanta gente que fala de livros e de leitura com tanta paixão, aliás, agora que penso nisso, talvez tenha sido a primeira vez que vi tanta gente que realmente gosta e quer falar desse seu gosto de ler. Que a indústria do livro continue cega a todos estes sinais seria, para mim, o grande enigma, se o André Schiffrin não o tivesse explicado (e sobre o André Schiffrin e o seu livro, escreverei para a semana).  


Livros que tomam partido: a edição política em Portugal, 1968-80

Fonte e espelho das grandes transformações sociopolíticas ocorridas no nosso país, a edição em Portugal ao longo do século XX é tema ainda pouco aprofundado por especialistas, académicos e investigadores, apesar da relevância que o seu estudo e divulgação deveriam merecer. Conforme refere Pedro Marques em texto publicado na revista LER de Outubro de 2012: “O século XX permanece estranhamente arredio da historiografia portuguesa do livro e da edição, como se fosse um objecto complexo demais para ser abordado doutra forma que não seja por estudos de parcelas temporais”.

É neste contexto que merece uma saudação muito especial a tese de doutoramento defendida no passado dia 7 de Junho, por Flamarion Maués Pelúcio Silva, no âmbito do Programa de História Social do Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. O autor desenvolveu um trabalho de grande mérito, vivendo e convivendo em Portugal com cotados especialistas e experientes protagonistas, a que acresceu inúmeras entrevistas, intervenção em conferências, e a consulta extensa e intensa de documentação essencial para a compreensão, enquadramento e obtenção de conclusões válidas sobre a matéria que se propôs investigar.
A tese - Livros que tomam partido: a edição política em Portugal, 1968-80 - cuja divulgação e reprodução total ou parcial, por qualquer meio convencional ou electrónico, é permitida para fins de estudo e pesquisa desde que citada a fonte, é assim resumida pelo seu autor:

O objetivo deste trabalho é analisar a atuação das editoras de livros de caráter político em Portugal entre 1968 e 1980, a fim de verificar o papel político, cultural e ideológico que desempenharam no processo de transformações pelo qual passou o país nesse período. Para isso, busquei: a) identificar as editoras que realizaram essas publicações e examinar as vinculações políticas que tinham; b) realizar o recenseamento das obras de caráter político publicadas no período em estudo; c) identificar as pessoas e organizações responsáveis por essas editoras e publicações.

A partir dos dados levantados procuro entender como atuavam estes editores, quais suas motivações políticas, ideológicas e empresariais, como organizavam as editoras do ponto de vista intelectual e comercial, e qual o peso das vinculações políticas na vida das editoras.

Em termos cronológicos, o período em foco começa em 1968, com o afastamento por motivos de saúde de Salazar do poder e sua substituição por Marcelo Caetano, e vai até 1980, com a formação do primeiro governo de direita após o fim da ditadura em 25 de abril de 1974.

Uma síntese do trabalho mostra que existiram pelo menos 137 editoras que publicaram livros de caráter político em Portugal entre 1968 e 1980, tendo editado cerca de 4.600 títulos políticos no período. Este trabalho apresenta estudos sintéticos sobre 106 destas editoras.

Minha tese é que estas editoras conformaram o que podemos chamar de edição política no país. Ao realizar um trabalho editorial que vinculava de modo direto engajamento político e ação editorial, estas editoras – e seus editores – atuaram com clara intenção política de intervenção social, tornando-se sujeitos ativos no processo político português no período final da ditadura e nos primeiros anos de liberdade política.
Congratular Flamarion Silva e fazer votos para que o exemplo deste amigo brasileiro sirva de incentivo aos investigadores portugueses no domínio do livro e da leitura, constitui certamente a melhor forma de celebrar a importância desta sua obra para a historiografia da edição em Portugal.

6/12/2013

DRM’s , ou como se poderia dizer, Digital Restelo Men’s


Se há algo que temos a certeza é que a ganância é muita e faz parte do negócio.

Se ela serve para garantir que conseguem rentabilizar um investimento muito avultado e cheio de risco, ou um futuro de milhões na conta bancária e adversários falidos, pouco importa, o que sabemos é que as estratégias de desenvolvimento de ereaders/ebooks por parte dos principais retalhistas internacionais assentam em ecossistemas fechados e fortemente protegidos, que impedem em larga medida a importação e exportação (ou a leitura) de ficheiros de outros ecossistemas nos seus, ou dos seus noutros ecossistemas.

Não se trata de DRM para proteção dos direitos de autor e combate à pirataria, muitas vezes sobre essas proteções existem muitas outras encriptações que visam tão-somente impedir que o leitor possa, de facto, usufruir do seu ebooks noutro leitor que não o da sua empresa.

Para além disso, afastam de vez o retalho que, mesmo que quisesse vender ebooks, não o poderá fazer sem o seu controlo. Detendo o produto – muitas vezes desde a origem, englobando imprints próprias −, o leitor (leia-se, o interface tecnológico de mediação da leitura) e o canal de distribuição e venda, garantem o monopólio total. Se o futuro é digital não tem de ser, no entanto, um futuro fechado no mundo Amazon ou Apple.

Aliás, se não queremos ver surgir uma «justificação moral» para a pirataria, é bom que não o seja.

Tão importante como os desenvolvimentos e implementação do EPUB3 e respetiva interoperabilidade, importa também perceber como queremos manter uma estrutura de produção e retalho saudável, capaz de responder em concorrência a diferentes públicos e necessidades, adotar e desenvolver estratégias diferentes e permitir a entrada de agentes de inovação. Uma estrutura que permita o input dos agentes locais e não uma estrutura massificada interessada em responder tão-somente aos «grandes públicos» e escravizar, em todo o restante mercado, os agentes que possam complementar esse seu mercado.

Neste mercado de forte desenvolvimento estamos cada vez mais nas mãos de agentes que não se interessam no desenvolvimento em prol do leitor, mas somente na medida da capacidade que têm de gerar riqueza com ela. Ao fecharem os seus sistemas comportam-se como velhos digitais do Restelo, com medo que um mercado honesto, aberto e simples para o leitor possa ditar o fim das suas hegemonias.

Nuno Seabra Lopes

6/10/2013

Centenário


 

Comemora-se hoje o centenário da Livraria Sá da Costa. Esta casa, infelizmente em longo processo de insolvência, mantém-se activa devido à perseverança e empenho de um conjunto de funcionários. Não fossem, aliás, às enormes dívidas herdadas, a Livraria Sá da Costa, sob um rigoroso regime de auto-gestão, um notável esforço para dinamizar e animar o espaço e o gosto que se sente em quem lá trabalha, seria uma empresa saudável.

Gostaria de voltar a este assunto da auto-gestão de projectos culturais em breve até na sequência da minha releitura do livro de André Schiffrin há pouco abordado neste blogue, mas isso ficará para breve. De momento fica a recomendação de uma passagem nesse espaço emblemático de Lisboa e a garantia de uma animação cultural de excelência no dia de hoje (como é habitual naquele espaço).

6/04/2013

Preparados para o digital?

Imagem do The Supreme Architect sobre original de Hiroshige

Enquanto por cá não sabemos mais adivinhamos, em Espanha fazem-se Estudos e descobre-se que não, que não estão nada preparados para o digital.

O estudo realizado pela Laboratorio del Livro, da Anatomía de la Edición, procurava responder a algumas questões básicas descortinadas no documento La gran transformación. Panorama del sector del libro en España 2012-2015. Para isso recorreram ao método de inquérito qualitativo (a agentes do setor do livro: editores, livreiros, bibliotecários, autores, distribuidores, especialistas de digital e de direitos de autor e investigadores), contando com mais de 100 respostas.

Analisas e debatidas as respostas dentro do centro de investigação surge agora um relatório preliminar onde percebe que:


  • Grande desconcerto e desassossego em relação ao futuro;
  • Falta de aposta no mundo digital;
  • Grandes limitações técnicas e tecnológicas para venda em rede;
  • Falta de recursos para investir na mudança do modelo de negócio;
  • Falta de investigação sobre o leitor digital, 
      entre várias outras coisas.

Uma das mais curiosas observações foi ver que entre os diversos especialista e face à pergunta: O consumidor não pede livros electrónicos, somente obtiveram respostas conclusivas de menos de 25% das pessoas. Ou seja, a maior parte dos «especialistas» não faz a mínima ideia se os leitores querem ou não livros eletrónicos.

Numa fase em que o digital cresce em investimento, mas pára em crescimento, as dúvidas avolumam-se sobre o futuro do digital e o receio de avançar numa fase de total incerteza aparenta ser total.