12/15/2015

O Paraíso Segundo Lars D., João Tordo

 
O PARAÍSO SEGUNDO LARS D.
João Tordo

Companhia das Letras/Penguin Random House, 15,90€

Editora: Clara Capitão; 
Revisão: Ana Leonor Branco e Cristina Correia

Capa: Maria João Lima (Panóplia) com fotografia de autor de Vitorino Coragem

Produção: Printer

Desde a saída de Valter Hugo Mãe que a Companhia das Letras (antiga Objectiva) procurava um escritor português que servisse de rosto para o seu catálogo, tendo encontrado em João Tordo aquilo de que necessitava. Transitado da Dom Quixote/LeYa, onde surgiu sob a tutela de Maria do Rosário Pedreira, João Tordo mudou de casa numa altura em que a sua escrita também mudava de registo. Mas deixarei isso para quem mais entende da matéria. O principal a reter é a importância que a Companhia das Letras atribui a esta faceta do seu catálogo, e como a mesma acaba por marcar o posicionamento que a editora quer ter em Portugal.

Em termos de risco, João Tordo é um ativo seguro e gerador de valor. Autor premiado com o José Saramago e com quase uma dezena de livros editados, os últimos dos quais com bons resultados de vendas e de imprensa, Tordo conta já com uma base alargada de leitores regulares e espaço garantido nos escaparates de venda.

Em termos de conteúdos, este livro surge na sequência do anterior (O Luto de Elias Grou), algo revelado não só pelo autor logo no início do livro, mas também em termos de comunicação, que o enquadra como segundo numa trilogia (de livros estanques dentro do mesmo universo, e não de livros sequenciais). O discurso é de leitura rápida mas profunda, com o discurso direto a controlar a velocidade da ação. Em termos editoriais observa-se um cuidado na revisão, não se notando traços profundos de editing.

Uma das características mais marcantes deste livro é a necessidade que a edição tem de «dar corpo» ao livro. Com uma paginação bastante arejada, corpo de texto e entrelinha de dimensão elevada, o livro procura disfarçar ser um pequeno livro (em termos de dimensão) e apresenta-se como grande. Mais propriamente, cresce até mais de 200 páginas para conseguir obter esse efeito.

Em jeito de opinião, julgo que seria possível obter o mesmo ou melhor efeito recorrendo a um papel com maior densidade/gramagem ou índice de mão, aumentando com isso o valor percebido do livro e melhorando um dos raros problemas encontrados nesta edição: a baixa opacidade nas páginas de cortina a negro e nas fotografias. Um livro com a mesma lombada mas com 160 páginas e bons materiais seria uma opção mais interessante (e, porventura, não mais cara...).

Em termos de design o livro apresenta-se com muita elegância e boa leitura, com toques de design de miolo não raros, mas pouco habituais. Como detalhe adicional, saliento a belíssima ideia de colocar um marcador destacável por picote «enforcado» no plano (na sequência da badana).

Para além do marcador, o que mais se destaca é a fonte utilizada no plano de capa: para a lombada, escolheu-se uma fonte de belíssima leitura, recorrendo-se a uma typewriter alargada na capa. Na contracapa surgem sem grande diferenciação uma sinopse muito bem escrita seguida de um excerto da obra. Se ambos os conteúdos são bem escolhidos, ressalva-se a diferença de fonte que se destaca excessivamente. Na minha opinião seria possível anular a última frase da sinopse para aumentar o corpo e igualar os registos, dando alguma indicação de que se trata em cada um dos textos. A biografia assenta na figura literária do autor, mas talvez fosse de referenciar outros livros de João Tordo (não publicados no Grupo), e a foto utilizada é muito interessante, mas a impressão no perfil de cor em questão escurece-a excessivamente.

Acima de tudo, nota-se um cuidado muito elevado com o autor. Numa estratégia que não se percebe ser de coleção (João Tordo) ou somente da trilogia, vemos que tudo se desenvolve em torno da imagem literária do autor, num cuidado de elevação do seu perfil literário, com anulação de elementos excessivamente comerciais. Isso denota respeito por João Tordo e segurança na sua plataforma de fãs e vendas.

O preço parece indicado para o livro em questão e a estratégia de comunicação (por relações públicas e imprensa em torno de autor) é a que se coaduna com todo o restante marketing estruturado para esta obra.

Em resumo, uma obra de continuação da bibliografia de João Tordo, onde está patente uma estratégia de elevação do autor à categoria literária máxima em detrimento de uma estratégia comercial agressiva, bem cuidada e trabalhada ao nível editorial, mas com detalhes menos conseguidos ao nível da produção. Um livro pensado para fidelizar os leitores atuais de João Tordo e fazer crescer o autor dentro da sua própria plataforma. Dada a idade e o potencial do autor, parece-me ser uma estratégia acertada se bem que arriscada no competitivo mercado atual.

Editorialmente recomendado, claro.

Nuno Seabra Lopes, editor e consultor editorial

12/03/2015

Cosac Naify

 

Para quem não saiba, a editora brasileira Cosac Naify anunciou o seu encerramento.

Caso também não saibam, a Cosac Naify era, provavelmente, uma das mais extraordinárias editoras do mundo, e certamente a mais extraordinária em língua portuguesa, porque não só apostava em nichos culturais de difícil retorno, como arte, design, cinema, arquitectura ou fotografia (para além da literatura, onde se destacam a existência de autores portugueses como Valter Hugo Mãe) mas, acima de tudo, fazia-o com uma qualidade gráfica e de produção difíceis de igualar.

Ou seja, eram um dos meus heróis.

Charles Cosac, o seu fundador e director, justificou o fecho com a incapacidade de poder continuar a publicar como gosta, ou seja, com qualidade. Que não está para reciclar livros em domínio público (como tinha já começado a fazer) para tentar pagar contas ou passar a publicar livros mais comerciais.

Ou seja, é ainda o meu herói.
(pena tenho é que a realidade não seja aos quadradinhos)